Coffeeshop no Brasil
O Rio de Janeiro é o único lugar do Brasil que tem coffeeshops. Mas aqui jamais alguém se atreveu nem admitiu a venda de maconha no local. Na última sexta-feira, dia 4 de outubro, a polícia foi à Zion Coffeeshop e 10 pessoas que estavam fumando foram levadas junto com o administrador do estabelecimento para a 10ª Delegacia Policial no bairro de Botafogo.
Foi em Amsterdam que começaram a surgir lojas onde a maconha é vendida e apresentada em cardápios, além da oferta de sedas, desberlotadores, bongs, arte canábica e café. A venda de bebidas alcóolicas não é permitida. Segundo Frédéric Pagès, em “Descartes e a Maconha”, o filósofo francês, que viveu maior parte de sua vida adulta na Holanda, já frequentava estabelecimentos similares no século XVII, onde fumava tabaco, tradicionalmente misturado com haxixe, bem conhecido dos holandeses que voltavam do Oriente. Mas o primeiro coffeeshop propriamente dito, herdeiro do movimento hippie, foi “The Bulldog”, inaugurado em 1975, em Amsterdam. Tive o prazer de conhecer alguns desses estabelecimentos no país de Van Gogh. Vale a pena visitar o museu que leva o nome do artista para viajar na maior larica visual da humanidade e contemplar sua obra-prima: “Os Comedores de Batata”.
O Rio de Janeiro é o único lugar do Brasil que tem coffeeshops. Mas aqui jamais alguém se atreveu nem admitiu a venda de maconha no local. Da mesma forma que nos coffeeshops de Amsterdam, a entrada de menores de 18 anos não é permitida. Na última sexta-feira, dia 4 de outubro, a polícia foi à Zion Coffeeshop e 10 pessoas que estavam fumando foram levadas junto com o administrador do estabelecimento para a 10ª Delegacia Policial no bairro de Botafogo. Naquele mesmo dia, estava sendo lançado o programa de segurança pública “Botafogo Presente”. O Delegado entendeu que era caso de lavratura de auto de prisão em flagrante por tráfico de drogas ou apologia ao crime e encaminhou o caso para a 12ª Delegacia Policial de Copacabana.
Fui chamado e mostrei ao delegado e aos policiais que não havia tráfico de drogas no estabelecimento, a entrada e a saída eram abertas e existem placas proibindo a entrada de menores de 18 anos assim como o consumo de drogas ilegais. O tipo penal próximo de tal situação estaria previsto no artigo 33, § 1º, inciso III, da Lei 11343/2006. Mas a conduta só é prevista se o administrador do lugar consentir que outra pessoa se utilize do local para o tráfico ilícito de drogas, como destacado e sublinhado abaixo:
“Art. 33
…
III – utiliza local ou bem de qualquer natureza de que tem a propriedade, posse, administração, guarda ou vigilância, ou consente que outrem dele se utilize, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, para o tráfico ilícito de drogas.”
Outra hipótese levantada foi o enquadramento no tipo de “apologia ao crime”. Para este crime alegamos que no local existe a expressão artística canábica e a atividade política de defesa da legalização da maconha, protegidas pela Constituição Federal e pelas decisões unânimes em quóruns qualificados do Supremo Tribunal Federal na Ação de Descumprimento Fundamental 187 e a Ação Direta de Inconstitucionalidade 4274, onde o STF decidiu que nenhuma autoridade pode interpretar que a luta pela legalização da maconha é um crime de apologia. Estas decisões garantem as Marchas da Maconha em todo o Brasil.
Sobre o consumo de maconha no local, qualquer pessoa tem a faculdade de prender outra em flagrante, mas não é obrigada a fazer isso, como um policial. Assim, o local é uma espécie de tabacaria e seus frequentadores não devem ter qualquer interesse em prender qualquer pessoa, inclusive seus administradores. O aviso de que é proibido o consumo de drogas está lá e o lugar é aberto para a polícia se quiser entrar e conduzir alguém fumando maconha, mas não pode mais prender, nem existe pena de prisão.
Das 10 pessoas conduzidas por porte de maconha, sequer foi lavrado termo para 4 delas, pois estavam portando tabaco natural. Seis assinaram um termo circunstanciado e foram liberadas, pois assim estabelece o artigo 28 da Lei 11343/2006 e estavam com pequena quantidade para consumo pessoal. Todas declararam que não havia venda no local e a maconha que portavam trouxeram consigo para consumo próprio.
Assim, o delegado entendeu que a conduta do administrador da Zion Coffeeshop não está prevista como crime na lei brasileira e que o fato é “atípico”. O artigo 1º do Código Penal e o artigo 5º, inciso XXXIX da Constituição Federal – “Não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal” – referem-se a Direitos Humanos de Primeira Geração. Quer dizer, o administrador do coffee shop não praticou crime algum. Ave, César!
ANDRÉ BARROS é advogado da Marcha da Maconha, mestre em ciências penais, vice-presidente da Comissão de Direitos Sociais e Interlocução Sociopopular e membro do Instituto dos Advogados Brasileiros.
https://www.facebook.com/advogadoandrebarros/videos/512385732651323