Carta aberta ao povo argentino
Por Juliano Medeiros. No próximo domingo vocês irão votar para presidente e acompanho com preocupação os possíveis desdobramentos das decisões que tomarão. Por isso gostaria que vocês me dessem alguns minutos de atenção.
Por Juliano Medeiros*
Estimadas hermanas y hermanos,
Vocês não me conhecem. Mesmo assim tomo a liberdade de escrever-lhes essa carta. No próximo domingo vocês irão votar para presidente e acompanho com preocupação os possíveis desdobramentos das decisões que tomarão. Por isso gostaria que vocês me dessem alguns minutos de atenção.
Sei que vocês estão frustrados com os atuais governantes. Sei também que a situação econômica e social que vive a Argentina não é digna da grandeza desse lindo país. E por isso entendo que muitos de vocês estejam considerando votar naquele candidato que parece representar o sentimento “anti-establishment” do qual vocês compartilham. Mas gostaria que vocês considerassem alguns dos meus argumentos antes de tomarem uma decisão.
Eu poderia apelar à conhecida auto-estima do povo argentino, afirmando que um país que deu ao mundo personalidades como Maradona, Charly García ou o Papa Francisco I, não pode ter como presidente um sujeito que diz se comunicar com seu cão morto ou que foi um gladiador em vidas passadas.
Poderia, ao invés disso, apelar à razão para argumentar que saídas como a privatização dos serviços públicos, a dolarização da economia e o isolamento internacional levarão a mais pobreza, desigualdade e fome; que com esse programa os jovens não terão futuro e os idosos não terão presente.
Poderia até, num esforço desesperado, apelar para as escassas qualidades dos adversários que disputam a eleição contra o candidato do extremismo, afirmando que é melhor votar pelo certo do que pelo duvidoso. Mas há uma informação, minhas amigas e amigos argentinos, que lhes ocultei até agora: quem vos escreve é um brasileiro.
E como brasileiro, posso lhes oferecer não um argumento, mas um testemunho do que é um governo de extrema direita porque tivemos essa experiência entre 2019 e 2022.
Primeiro, posso lhes garantir que as promessas de moralização da política não poderiam ser mais falsas. Enquanto o presidente tentava mostrar-se humilde nas redes sociais, os filhos de Bolsonaro enriqueciam. Só um deles comprou uma casa de mais de 1,5 milhão de dólares. Além disso, seus aliados desviaram recursos da saúde em plena pandemia, superfaturaram gastos e montaram uma estrutura de compra de apoio na Câmara dos Deputados chamado “Orçamento Secreto”.
Mas tudo bem, pode ser que você não se importe com a corrupção e apenas queira uma vida melhor. Posso garantir que nesse aspecto o governo da extrema direita também foi um desastre. Durante os anos de Bolsonaro, todos os indicadores sociais pioraram. A fome voltou a assolar os mais pobres com imagens chocantes de pessoas se amontoando para ganhar pedaços de ossos para ter acesso a alguma proteína. Os gastos em pesquisa e educação despencaram e os programas sociais foram desmontados.
Na economia, o país voltou a conviver com o desemprego e a inflação. O preço dos combustíveis disparou e o custo de vida subiu. Enquanto isso, o ministro da economia ganhava milhões de dólares com a desvalorização do Real frente ao dólar, já que tinha investimentos em moeda americana num paraíso fiscal no Caribe…
A pandemia foi um episódio à parte. Eu sei que as restrições adotadas na Argentina trouxeram grandes inconvenientes para o dia-a-dia de cada uma e cada um de vocês. Mas o negacionismo científico adotado pelo governo brasileiro nos custou ainda mais caro: tivemos 700.000 pessoas mortas, restrições sanitárias violadas permanentemente pelo próprio presidente, campanha oficial pelo uso de medicamentos sem eficácia comprovada, oxigênio sendo negado a regiões com altas taxas de contaminação e a incrível marca de 4200 pessoas mortas num único dia. Temos 3% da população mundial e tivemos 11% das mortes por Covid…
Se nada disso o sensibilizou até aqui, deixe-me usar um último argumento. Além de brasileiro, sou integrante do partido de Marielle Franco. Sim, a vereadora assassinada a sangue frio no Centro do Rio de Janeiro em 2018. Desde aquele trágico 18 de março, Bolsonaro jamais mostrou qualquer solidariedade ou preocupação com o crime. Pior: com o tempo descobriu-se que um dos assassinos morava no mesmo condomínio do ex-presidente e tinha fotos com ele. Pode ser coincidência. Mas pode não ser. Afinal, que estimula a violência e a intolerância pode ser também agente dela.
Sei que nós, brasileiros, nem sempre temos muita credibilidade com vocês, argentinos. Mas escrevo como amigo. Os que não morremos nas mãos do genocida, perdemos alguém; os que não perdemos ninguém, perdemos nossos empregos; os que não perdemos nossos empregos, muitas vezes perdemos a esperança.
Por favor, considerem meus argumentos. Nós, felizmente, tivemos uma segunda chance. Nada garante que vocês possam ter também.
Do Brasil com carinho,
Carta abierta al pueblo argentino
Queridos hermanos y hermanas,
Ustedes no me conocen. Aun así, me tomo la libertad de escribirles esta carta. El próximo domingo votarán ustedes para presidente y sigo con preocupación las posibles consecuencias de sus decisiones. Por eso me gustaría que me brindaran unos minutos de atención.
Sé que están frustrados con los gobernantes actuales. También sé que la situación económica y social que vive Argentina no es digna de la grandeza de este hermoso país. Por eso entiendo que muchos de ustedes están considerando votar por ese candidato que parece representar el sentimiento “antisistema” que comparten. Pero me gustaría que consideraran algunos de mis argumentos para no hacer esto.
Podría apelar a la conocida autoestima del pueblo argentino, afirmando que un país que dio al mundo personalidades como Maradona, Charly García o el Papa Francisco, no puede tener como presidente a un tipo que dice comunicarse con su perro muerto o que fue un gladiador en vidas pasadas.
En cambio, podría apelar a la razón para argumentar que soluciones como la privatización de los servicios públicos, la dolarización y el aislamiento internacional conducirán a más pobreza, desigualdad y hambre; que con este programa los jóvenes no tendrán futuro y los mayores no tendrán presente.
Incluso podría, en un esfuerzo desesperado, apelar a las limitadas cualidades de los oponentes que compiten en las elecciones *contra el candidato del extremismo, afirmando que es mejor votar por el conocido que por el dudoso. Pero hay una información, amigas y amigos argentinos, que les he ocultado hasta ahora: quien les escribe es un brasileño.
Y como brasileño, no puedo ofrecerles un argumento, sino un testimonio de lo que es un gobierno de extrema derecha.
En primer lugar, puedo asegurarles que las promesas de la política moralizante no podrían ser más falsas. Mientras el expresidente intentaba parecer humilde en las redes sociales, sus hijos se hicieron ricos. Sólo uno de ellos compró una casa por más de 1,5 millones de dólares. Además, sus aliados desviaron recursos de salud en plena pandemia, facturaron de más y montaron una estructura para comprar apoyos en la Cámara de Diputados denominada “Presupuesto Secreto”.
Pero está bien, tal vez no te importe la corrupción y solo quieras una vida mejor. Puedo garantizar que en este aspecto el gobierno de extrema derecha también fue un desastre. Durante los años de Bolsonaro, todos los indicadores sociales empeoraron. El hambre ha vuelto a golpear a los más pobres con impactantes imágenes de personas apiñadas para conseguir trozos de hueso para acceder a alguna proteína. El gasto en investigación y educación se desplomó y los programas sociales fueron desmantelados.
En el ámbito económico, el país volvió a experimentar desempleo e inflación. Los precios del combustible se dispararon y el costo de vida aumentó. Mientras tanto, el ministro de Economía ganó millones de dólares con la devaluación del real frente al dólar, pues tenía inversiones en moneda americana en un paraíso fiscal del Caribe…
La pandemia también fue un episodio aparte. Sé que las restricciones adoptadas en Argentina han traído grandes inconvenientes a la vida cotidiana de todos y cada uno de ustedes. Pero el negacionismo científico adoptado por el gobierno brasileño nos costó caro: tuvimos 700.000 muertos, restricciones sanitarias violadas permanentemente por el propio presidente, una campaña oficial para el uso de medicamentos sin eficacia probada, negación de oxígeno a regiones con altos índices de contaminación y la increíble marca de 4200 personas muertas en un solo día. Tenemos el 3% de la población mundial y el 11% de las muertes por Covid…
Si nada de esto te ha afectado hasta ahora, déjame hacer un último argumento. Además de brasileño, soy miembro del partido de Marielle Franco. Sí, la concejal asesinada a sangre fría en el centro de Río de Janeiro en 2018. Desde aquel trágico 18 de marzo, Bolsonaro nunca ha mostrado solidaridad ni preocupación por el crimen. Peor: con el tiempo se descubrió que uno de los asesinos vivía en el mismo condominio que el expresidente y tenía fotos con él. Puede ser una coincidencia. Pero puede que no sea así. Pero es verdad los que dinfunden la violencia y la intolerancia tambien pueden ser sus agentes.
Sé que los brasileños no siempre tenemos mucha credibilidad con ustedes, los argentinos. Pero escribo como amigo. Los que no morimos a manos del genocidio hemos perdido a alguien; los que no perdimos a nadie, perdimos el trabajo; Aquellos de nosotros que no perdimos nuestro trabajo a menudo perdemos la esperanza.
Por favor consideren mis argumentos. Afortunadamente, tuvimos una segunda oportunidad. No hay garantía de que ustedes también puedan tenerla.
Desde Brasil con cariño,
Juliano Medeiros
*Juliano é professor, historiador, cientista político, militante do PSOL, presidiu o partido entre os anos de 2017 e 2023.