Boneco de ventríloco
A militarização do Ministério da Saúde é um agravante para a crise sanitária e para a imagem do Exército, pois é sob o seu manto que o presidente espalha incompententes por áreas técnicas, extremamente sensíveis para a vida dos brasileiros. Qualquer função de confiança do Estado virou cabide de emprego para militares. Que vergonha!
Dr. Nelson Teich pediu demissão ontem do Ministério da Saúde, com menos de 30 dias no cargo. Ele pulou fora quando viu que o seu candidato a presidente é muito mais louco do que imaginava e que a sua reputação como médico seria destruída se agisse como Bolsonaro exige, promovendo a contaminação em massa e a prescrição indiscriminada da cloroquina para os pacientes de Covid-19.
É a segunda substituição que Bolsonaro faz na Saúde, em plena epidemia. Ambos ex-ministros saíram pelos seus méritos e não porque tenham negligenciado, prevaricado ou desonrado o seu juramento de Hipócrates. Quem impõe uma política assassina para o setor é o próprio presidente, que não quer mais saber de ministro e – muito menos – de discípulos de Hipócrates: ele procura um hipócrita, que assuma ser discípulo dele próprio. Busca um boneco de ventríloquo, que saiba cumprir ordens e não queira saber de fundamentos técnicos ou científicos para orientar decisões.
Do ponto de vista de Bolsonaro, está tudo certo, como dois mais dois é igual a cinco: “e ponto final, táokêi?” Mas aumenta ainda mais o risco de vida para toda população, notadamente os velhos, os pobres e os negros, os mais ameaçados pela epidemia. Como ele próprio bem definiu, “é guerra!” Ou cai o assassino, ou ele nos mata.
Dados levantados em vários países provam que o isolamento social tem reduzido o ritmo da contaminação e de vítimas, assim como a pressão sobre os sistemas de saúde. Mas o presidente apega-se sempre aos piores exemplos: primeiro foi o de Trump, outro desastre sanitário, e agora o da Suécia, que evitou o isolamento e colheu os piores resultados na Escandinávia, e agora teve que adotá-lo tardiamente, com maior custo econômico e humanitário. Bolsonaro não quer saber da verdade, quer guerra, quer saber só de si mesmo e dos filhos, e do que imagina ser melhor para a sua reeleição.
Sabendo (embora negando) que o seu suposto interesse implica mais mortes, Bolsonaro editou a Medida Provisória 966 para blindar agentes públicos, principalmente ele próprio, isentando-os de responsabilidade caso seus atos relativos à epidemia do covid-19 causem mortes ou danos materiais, em clara afronta à Constituição.
O general Eduardo Pazuello assumiu interinamente o cargo de ministro da Saúde, tendo acabado de chegar ao ministério na função de secretário-executivo, sem nada saber sobre saúde e a estrutura da pasta. Ainda não sabemos se será efetivado no cargo, mas ele foi trazido para o governo por Bolsonaro, por serem amigos e compartilharem a mesma obsessão de receitar cloroquina aos infectados e boicotar as medidas de isolamento.
A militarização do Ministério da Saúde é um agravante para a crise sanitária e para a imagem do Exército, pois é sob o seu manto que o presidente espalha incompententes por áreas técnicas, extremamente sensíveis para a vida dos brasileiros. Qualquer função de confiança do Estado virou cabide de emprego para militares. Que vergonha!
Sem prejuízo do que a Justiça brasileira pode e deve fazer, Bolsonaro e seus eventuais cúmplices correm o risco de uma denúncia junto a algum tribunal internacional, até porque, na medida em que políticas antisanitárias do seu governo ampliarem a tragédia no Brasil, será inevitável algum impacto negativo sobre outros povos, especialmente da Argentina, Paraguai e Uruguai.