Jair Bolsonaro arrochou o próprio governo, substituiu Luiz Henrique Mandetta por Nelson Teich no Ministério da Saúde e mandou recado para dentro da própria gestão para todos boicotarem a cautela do isolamento social ou calarem a boca. Avisou que a defesa da vida pode custar o pescoço do vivaldino. Segue promovendo aglomerações públicas, contatos pessoais sujeitos à contaminação e carreatas de incautos, que sofrem com a perda de renda e querem a retomada da economia arriscando as vidas de funcionários, familiares e clientes.

Tentando ofuscar a repercussão negativa da troca de ministro da Saúde enquanto a epidemia agrava-se, Bolsonaro arremessou uma fakepiração, acusando o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, de conspiração. Isto porque a Câmara aprovou um pacote de ajuda aos estados e municípios, que são as instâncias federativas que administram a rede hospitalar e estão enfrentando diretamente a crise de saúde. De um total de 513 deputados, a base do Bolsonaro ficou reduzida a 70 votos.

O presidente disse que tinha documentos da área de inteligência comprovando a fakepiração e que havia indícios do envolvimento de “setores” do Supremo Tribunal Federal (STF). Talvez esses indícios sejam a derrota, por unanimidade, que Bolsonaro sofreu na corte, reconhecendo a legalidade das medidas de isolamento social adotadas por estados e municípios. Bolsonaro ficou emparedado pela decisão, que melou sua intenção de editar um decreto atropelando a política de isolamento e expondo a saúde da população.

Pressionada a apresentar evidências da fakepiração presidencial, a SECOM, Secretaria de Comunicação Social da Presidência, emitiu uma fake nota simulando um desmentido à Folha de São Paulo mas, na verdade, desmentindo o próprio Bolsonaro (que também havia fakepirado pela CNN Brasil): “Não há dossiê, não há nenhuma análise e nem conclusão de que exista uma conspiração em andamento contra o Presidente da República”.

Não é por outro motivo que ele compareceu às carreatas que os seus apoiadores organizaram em Brasília, neste fim de semana. Tendo ao fundo o quartel-general do Exército e diante de uma horda que pedia a volta da ditadura militar, Bolsonaro gritava: “nós não queremos negociar nada, nós queremos ação pelo Brasil”. Se os militares que ainda servem ao governo não tomarem providência, a radicalização do presidente vai reduzir o prestígio do Exército a pó.

Ninguém gosta, ou quer, viver isolado. Somos uma espécie social, por excelência, detentora de múltiplas linguagens para nos relacionar. Todos desejamos a retomada da atividade econômica o mais rápido possível. O isolamento é uma exigência sanitária urgente e temporária, para superar a epidemia no menor tempo e com o menor dano possíveis. A retomada da atividade social e econômica precisa ocorrer na hora certa para cada lugar, tendo como premissas a segurança das pessoas e a redução de vítimas. Essa questão não deveria ensejar disputa política, mas sim uma avaliação técnica, mas Bolsonaro prefere, mesmo, pescar em águas turvas.

Assim, a semana começa com o agravamento da epidemia e da crise política. Nas próximas semanas, a perspectiva é que Bolsonaro sofra novas derrotas no Congresso, com a caducidade de algumas das Medidas Provisórias (MP) que havia editado antes da crise sanitária, mas esperava vê-las aprovadas à sua sombra, sem discussão. É o caso da MP 910, que facilita a grilagem de terras públicas por empresas e fazendeiros. O tema da regularização fundiária, em si, é muito relevante, mas não tem nenhuma urgência neste momento. Ao contrário, a eventual aprovação da MP 910 no contexto atual traria dano irreversível à nação.