Bolsonaro-Frankenstein: cara de pau, coração de pedra e cabeça-de-bagre
Diplomatas dizem que a cara de pau presidencial na reunião dos Brics não é um ato isolado, mas parte de uma estratégia de reação ao alto grau de isolamento político a que chegou o Brasil, por causa do aumento do desmatamento e das queimadas sob Bolsonaro.
Na semana passada, discursando na 12ª Cúpula dos Brics (o grupo de países em desenvolvimento que envolve Brasil, Rússia, África do Sul, Rússia e China), Bolsonaro afirmou que o governo iria revelar uma lista com nomes de países que importam madeira extraída de forma ilegal da Amazônia brasileira. Aos chefes de Estado dessas nações ele disse: “estaremos revelando nos próximos dias países que têm importado madeira extraída de forma ilegal da Amazônia. E alguns desses países são os mais severos críticos ao meu Governo no tocante a essa região amazônica”. A repercussão negativa da acusação, indevidamente dirigida a governos, obrigou o presidente a remendar a declaração em uma live: “nós temos aqui os nomes das empresas que importam isso e a que países elas pertencem. A gente não vai acusar o país A, B ou C de estar cometendo um crime, mas a empresa desses países, sim”.
O problema é que a denúncia é, na verdade, uma confissão, pois a madeira ilegalmente exportada é, também, extraída da floresta de forma ilegal e predatória. Bolsonaro dissimula com a “imensidão” da Amazônia o fato de que a madeira é produzida nessas condições, sem que o governo aja para coibir o crime. Pior: este governo facilitou e exportação de madeira em toras, sem qualquer agregação de valor, e dispensou os madeireiros ilegais da comprovação de origem do produto para poder exportá-lo.
O mais grave ainda é que a maior parte da madeira roubada é comercializada e consumida no mercado nacional e também desfruta de impunidade. Significa dizer que, mesmo que fossem tomadas as medidas necessárias para coibir a exportação, a produção predatória estaria longe de ser extirpada. A “culpa” dos países importadores é bem menor do que o que Bolsonaro falou, e é menor ainda do que a do próprio governo.
A inconsistência do argumento presidencial vai além. A exploração seletiva predatória de madeira promove a degradação florestal – abertura de estradas e de esplanadas, derrubada excessiva de árvores, erosão da biodiversidade e exposição ao fogo. Mas é o garimpo, a pecuária e as monoculturas agrícolas que promovem o corte raso, ou seja, a supressão total da floresta. Significa dizer que, embora a repressão à exploração ilegal de madeira necessária e urgente, por si só, não teria impacto imediato nas taxas de desmatamento produzidas pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Para que o “surto ambientalista” do presidente fosse eficaz, seria necessário denunciar e coibir os que produzem e importam, ilegalmente, minérios, carnes e grãos, que fomentam mais diretamente o desmatamento.
Bolsonaro expõe setor
A denúncia do Bolsonaro foi duramente criticada por associações de exportadores de madeiras, que temem o questionamento pelos importadores da consistência dos documentos apresentados. Elas sabem, melhor do que ninguém, que o grosso do estoque de madeira tem origem predatória e ilegal e não apreciam holofotes sobre as suas atividades, negativamente expostas pelo presidente. Madeireiros, garimpeiros e grileiros que atuam de forma ilegal integram a base de apoio do Bolsonaro.
No final da história, Bolsonaro afinou e a lista que foi apresentada consta de um relatório da Polícia Federal sobre uma operação realizada no porto de Belém, em que foram apreendidos conteiners com madeira ilegal. Não foram apontados os responsáveis locais pelo contrabando, nem o que a PF fez com eles. Ao usar de forma irresponsável essas informações fragmentadas, Bolsonaro apenas balbuciou que havia entre os importadores “empresas da França”, para alfinetar o presidente francês, Emmanuel Macron, seu desafeto principal.
Diplomatas dizem que a cara de pau presidencial na reunião dos Brics não é um ato isolado, mas parte de uma estratégia de reação ao alto grau de isolamento político a que chegou o Brasil, por causa do aumento do desmatamento e das queimadas sob Bolsonaro. Essa situação, que já vinha causando danos ao país, como o engavetamento do acordo comercial entre a União Européia e o Mercosul, tende a se agravar com a vitória de Joe Biden nos Estados Unidos. Em favor dessa tese, esses diplomatas citam o discurso na reunião de cúpula do G-20, neste domingo, em que, apesar da nova série de informações falsas, distorcidas ou imprecisas, Bolsonaro elogiou o “elevado nível de preservação” das nossas florestas e disse que vai “continuar protegendo” a Amazônia e o Pantanal. Disse, ainda, que “ataques injustificados” contra o Brasil vêm de nações “menos competitivas e menos sustentáveis”.
É improvável que a estratégia funcione, porque a lógica presidencial não se orienta pela proteção do meio ambiente e das condições climáticas, mas por acusar todo mundo pela devastação ambiental para reivindicar um suposto direito de também devastar. A retórica é cínica, porque usa o estoque gigante de biodiversidade de que o Brasil ainda dispõe para justificar a sua própria destruição. Finge ainda que não percebe que o cerne da discussão é sobre o que cada país está fazendo para reduzir a devastação e evitar o pior cenário para todos.
Além da postura invertida em relação ao meio ambiente, Bolsonaro chegou a dizer que a sua posição contrária a medidas de isolamento social para enfrentar a pandemia comprovou-se acertada, mesmo com os números estratosféricos de casos e vítimas no Brasil. Ele também negou a existência de racismo no país, como se a miscigenação tivesse destilado a pesada herança escravocrata, que, no entanto, continua conformando todos os indicadores sociais.
Resultados efetivos
Se Bolsonaro quiser convencer alguém, precisa apresentar resultados efetivos na redução do desmatamento, das queimadas e das decorrentes emissões de CO2 na atmosfera. Para isso, teria que rever objetivos já anunciados de legalizar grilos de terra e garimpos em terras indígenas, além de reativar o plano de combate ao desmatamento na Amazônia, criado em 2004, e outras ações que já deram resultados positivos.
A estratégia do Bolsonaro não convence ninguém e agrava, em vez de atenuar, a sua péssima imagem no exterior. Ele não fala à comunidade internacional sobre as aflições da humanidade; só usa os espaços diplomáticos para falar à bolha predatória que o sustenta no poder. Não só a cara é de pau. E a alma é de pedra!
Para deixar claro que sequer se importa em tentar convencer alguém de que o seu governo tem alguma responsabilidade ambiental, Bolsonaro anunciou sua presença na reunião do G-20 por meio de um tuíte em que postou um vídeo de um gigante de pedra, representando ele próprio, que esmaga uma cidade, com toda a sua população, fazendo rolar sobre ela uma enorme pedra. Com isso, institui a diplomacia psicopata. Nenhum concorrente comercial, personalidade pública ou ong seria mais capaz de afundar o conceito do Brasil junto à comunidade internacional. Gratuitamente…