Bancada da devastação
Pesquisa revela o protagonismo predatório assumido pela bancada ruralista, autodenominada Frente Parlamentar da Agropecuária, que reúne cerca de 240 membros
A equipe da agência Repórter Brasil divulgou, nesta semana, há 45 dias das eleições, um levantamento atualizado das posições assumidas pelos deputados federais nas votações de propostas legislativas relativas à pauta socioambiental durante a legislatura que se encerra.
O “Ruralômetro” sistematiza a atuação dos parlamentares em questões que envolvem o meio ambiente, os povos indígenas e os trabalhadores rurais. O desempenho dos deputados está consolidado em um ranking, que atribui uma temperatura à sua atuação: quanto mais alta, mais nefastos terão sido os seus efeitos para o país.
A divulgação do levantamento é oportuna e permite que os eleitores reflitam e tomem posição diante dos que se apresentam como candidatos nas próximas eleições. O ranking da devastação pode ser consultado em: https://ruralometro2022.reporterbrasil.org.br/. Ele revela o protagonismo predatório assumido pela bancada ruralista, autodenominada Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), que reúne cerca de 240 membros, quase metade da atual composição da Câmara dos Deputados, mas que tem um núcleo duro de articulação menor, de algumas poucas dezenas de parlamentares.
Encabeçam o ranking da devastação os deputados Nelson Barbudo (PL-MT), Lúcio Mosquini (MDB-RO), Delegado Éder Mauro (PL-PA), Nicoletti (União Brasil-RR) e Vitor Hugo (PL-GO), todos com mais de 40 graus de temperatura. Quatro deles são da bancada amazônica mas apenas Éder Mauro é nascido na região. Todos integram a base governista.
Fronteira predatória
Embora também existam parlamentares sérios e responsáveis entre os que compõem a FPA, a sua diretoria é historicamente controlada por representantes do “ruralismo de fronteira”. A maioria dos integrantes da bancada é oriunda de regiões do Centro-Oeste e da Amazônia, onde ocorre a expansão da fronteira agropecuária, embora também haja deputados de outras regiões. Mas são os mais “predatórios” que definem a agenda da FPA, e não os setores mais dinâmicos do agronegócio, muito menos os ligados aos pequenos agricultores ou a outros atores do Brasil rural.
Existem, hoje, no Brasil, mais de seis milhões de propriedades rurais, mas metade da área rural pertence a apenas 1% dos proprietários e posseiros. Essa ínfima minoria é, em essência, patrimonialista, mais do que produtivista. É ela que mantém controle sobre significativos redutos eleitorais, e não os setores mais dinâmicos do agronegócio ligados à agroindústria e ao comércio internacional. Além disso, esse controle local favorece uma maior concentração de votos em candidatos do que ocorre nas regiões metropolitanas, onde há mais dispersão e abstenção.
A bancada ruralista foi muito fortalecida durante o governo Bolsonaro, seja através da destinação de recursos vultuosos às suas bases, com o chamado orçamento secreto, seja pelo controle assumido sobre vários órgãos públicos ‒ Incra, Ibama, ICMBio, Funai etc ‒ por meio da indicação de seus dirigentes nacionais e representantes regionais. Participa ativamente das iniciativas de desmonte das políticas e restrição de recursos destinados à área socioambiental. É responsável direta pelos sucessivos saltos nas taxas de desmatamento nos últimos anos, na Amazônia e nos demais biomas.
Contradições
O levantamento da Repórter Brasil fundamenta-se na compilação de votos e de posições assumidas pelos deputados em um grande número de questões, ao longo da atual legislatura. A agenda predatória da bancada ruralista é abusiva, vai além de assuntos ligados ao agro e inclui o armamentismo e o ataque aos direitos socioambientais em geral. Os seus projetos de lei mais recentes envolvem a grilagem de terras públicas, a legalização das invasões em terras indígenas, a destruição de florestas urbanas, a desregulamentação do uso e venda de agrotóxicos e o enfraquecimento do licenciamento ambiental.
São os efeitos dessa agenda predatória que estão agravando o isolamento do Brasil em âmbito global. Apesar da conjuntura favorável aos preços das commodities agrícolas, a política antiambiental do governo, fomentada pelos ruralistas, tornou-se o principal obstáculo à adesão do Brasil à Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) e à concretização do acordo comercial entre o Mercosul e a União Europeia. Ou seja: enquanto se locupletam de criminosas facilidades nas regiões de fronteira, os ruralistas impõem limites para a exportação e nosso crescimento econômico..
Mas a agenda predatória tem efeitos muito mais perversos, ao contribuir para o agravamento das condições do clima, não só em relação ao aquecimento global, mas também no país. Secas e enchentes catastróficas têm ocorrido com crescente frequência, impactando populações urbanas e ribeirinhas, além da produção agropecuária e da geração de energia. A redução no volume de chuvas, impulsionadas pela Amazônia para as demais regiões do país, já impacta e constitui outro limitante, muito mais objetivo, para a agropecuária brasileira.