Assassinatos amazônicos
Assassinatos são frequentes na Amazônia, mas parece estar havendo, agora, uma explosão de violência.
Assassinatos são frequentes na Amazônia, mas parece estar havendo, agora, uma explosão de violência. Um crime bárbaro foi registrado, em Jordão, interior do Acre. O indígena João Barbosa Marcelino Kaxinawá, de 25 anos, foi morto com mais de 30 facadas na madrugada de sábado (14), no centro da cidade. Quatro pessoas foram presas em flagrante e um menor foi apreendido, mas o motivo do crime não foi revelado. Dizem que os envolvidos têm vínculo com o tráfico de drogas.
Em Altamira, no Pará, em cinco dias foram executadas 10 pessoas. Uma mãe e a sua filha morreram no meio da rua, em plena luz do dia. João Marcelino de Souza, de 31 anos, jovem integrante do movimento extrativista, foi morto dentro de casa. A polícia afirma que a maior parte dos crimes está associada a disputas entre facções criminosas.
Mesmo que essas alegações procedam, não atenuam a gravidade da situação. Ao contrário, indicam o avanço do crime organizado sobre o território amazônico, apesar das promessas de bem-estar social usadas para justificar projetos de desenvolvimento de diferentes períodos históricos, como a rodovia Transamazônica e a hidrelétrica de Belo Monte (PA).
Ameaça contínua
Em Roraima, o presidente do Conselho Distrital de Saúde Indígena Yanomami e Yek’wana, Júnior Hekurari Yanomami, que denunciou o estupro e o assassinato de uma menina yanomami de 12 anos, disse que está sofrendo ameaças de garimpeiros. “Tem áudios me ameaçando dizendo que perderam a paciência e que ‘não tem como’ ”, alertou, segundo o jornal Brasil de Fato.
Alessandra Korap é vice-presidente da Federação dos Povos Indígenas do Pará (Fepipa) e porta-voz do povo Munduruku. Ela e os seus familiares sofrem constantes ameaças de morte por combater a invasão do garimpo predatório nos territórios indígena na região do Tapajós. A sua casa, em Santarém (PA), já foi invadida duas vezes e a sede da Associação Wakonborum, que reúne as mulheres Munduruku, foi incendiada. A maior proteção à vida de Alessandra deve ser o grande reconhecimento público à sua atuação, dentro e fora do país.
A comunidade quilombola de Jacarezinho, de São José do Soter, no interior do Maranhão, sofre a ameaça de uma chacina desde o final de abril, quando Edvaldo Pereira da Rocha, que liderava o processo de regularização fundiária da área e se opunha à expansão do cultivo da soja sobre terras comunitárias, foi brutalmente assassinado por pistoleiros, a mando de grileiros de terra que agem na região.
Está crescendo assustadoramente a frequência com que grandes balsas de garimpo invadem, depredam e contaminam vasta extensão do Rio Negro e dos seus afluentes, no noroeste do Amazonas, uma das regiões mais remotas e preservadas da Amazônia brasileira. A Agência Nacional de Mineração (ANM) tem concedido, de forma irresponsável, autorizações de lavra garimpeira incidentes sobre o leito do Rio Negro, inclusive nos trechos em que ele faz divisa entre terras indígenas e é efetivamente habitado e utilizado por centenas de comunidades. O Exército tem feito operações de retirada de invasores e de apreensão de equipamentos, mas líderes indígenas estão sendo obrigados a se exporem, cada vez mais, na abordagem direta às balsas e aos focos de garimpagem predatória que se expandem na região. Marivelton Barroso, presidente da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn), assim como outros membros da sua diretoria e seus familiares, também tem recebido ameaças de morte.
Na terça (17), foram confirmados bloqueios de estradas e incursões de invasores em duas aldeias da Terra Indígena Apyterewa, no sudeste do Pará. Grileiros estão expulsando famílias de posseiros e ameaçando comunidades indígenas Parakanã, que seguem isoladas e confinadas numa parte do seu próprio território, invadido. Na Terra Indígena Parakanã, pouco mais ao norte, os indígenas também estão sob ameaça de retaliação por causa da morte de três não indígenas que invadiram o território e foram mortos.
Promoção da violência
Embora as estatísticas apontem uma redução no número pornográfico de homicídios no Brasil em 2021, o conjunto de casos e de situações demonstra que o Brasil continua sendo um dos líderes mundiais de assassinatos nas cidades e no campo, na Amazônia em geral e dos socioambientalistas e líderes dos movimentos que defendem e dependem das florestas em pé. Está aumentando essa guerra civil de baixa intensidade, que transforma a Amazônia numa zona de risco e num deliberado vazio de Estado.
Deliberado, sim, porque o mesmo governo que desestrutura as políticas, os órgãos e os orçamentos públicos, não economiza esforços para promover a produção predatória de minérios e madeiras, a invasão e o grilo de terras públicas, a implantação de obras sem licenciamento, a poluição dos solos e das águas com agrotóxicos e mercúrio. O próprio presidente da República visita garimpos ilegais, edita decretos para dar à ilegalidade um manto de legalidade e, no conjunto da obra, as taxas de desmatamento dão sucessivos saltos, aproximando a predação da Amazônia do ponto de não retorno, quando a floresta tende a perder sua capacidade de regeneração, transformar-se num tipo de vegetação menos densa e de clima mais seco.
Estão em jogo, nas eleições gerais deste ano, a paz, a democracia, a erradicação da miséria, o futuro da Amazônia e os seus impactos sobre a crise climática global. Na improvável hipótese de reeleição de Jair Bolsonaro, a predação e a guerra civil na Amazônia vão se intensificar. Em qualquer outra hipótese, haverá um caminho longo para reverter o seu isolamento atual e conduzir o país num rumo mais sustentável e compatível com os desafios desse século.