Nesta semana, vimos o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, retroceder em relação à urgência do PL 1904 e celebramos essa vitória parcial que, obviamente, não aconteceu por um lampejo da consciência do ilustre deputado, mas a partir da mobilização em massa das mulheres nas ruas e nas redes que não arredaram o pé e ecoaram em alto som: criança não é mãe!

Seguiremos mobilizadas para que o PL 1904 seja definitivamente extinto porque ele representa a criminalização das vítimas de estupro, equiparando o aborto legal após a 22ª semana ao crime de homicídio, o que, na prática, pode permitir que as vítimas de estupro tenham pena mais dura que a dos estupradores. E quem são as maiores vítimas de estupro no nosso país? As crianças.

Os dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública apontam que 74.930 pessoas foram estupradas no Brasil em 2022, sendo que as crianças entre zero e 13 anos de idade corresponderam a 61,4% deste total. O anuário aponta ainda que 68% dos estupros aconteceram dentro de casa. 

Além disso, um levantamento feito pelo jornal O Globo a partir de dados do DataSUS mostra que 247.280 meninas de 10 a 14 anos foram mães entre 2012 e 2022. Neste contexto, é gritante que a preocupação de políticos conservadores definitivamente não é com a vida de meninas e mulheres.

Isso fica ainda mais evidente quando o deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), autor da bárbara proposta, diz que estaria “disposto a retirar do Congresso o projeto de lei que equipara o aborto ao homicídio desde que o PSOL também recue na ação que move no Supremo Tribunal Federal (STF) sobre assistolia fetal”. Ora, é uma evidente tentativa de manobrar a opinião pública e negociar em cima das vidas das mulheres e crianças. Nós, mulheres do PSOL, não vamos retroceder e não vamos desistir da nossa ação que questiona a resolução do Conselho Federal de Medicina probindo a utilização de técnica clínica para a interrupção de gestações acima de 22 semanas em caso de vítimas de estupro. Nossa ação é contra essa resolução do CFM que, na prática, restringe o acesso a um direito e promove a perseguição de médicos que realizam o procedimento já conquistado por lei pelas mulheres.

Não vamos retroceder nem um milímetro para essa política conservadora. O conservadorismo se expressa de forma decisiva na tentativa de controle do corpo das mulheres. Inclusive das mulheres eleitas que questionam as estruturas patriarcais e passam a ser diariamente atacadas. A violência política de gênero é mais uma forma brutal de dizer que nossas vidas não valem nada e que não podemos ocupar espaços de poder.

Enquanto deputada, recebi diversas ameaças de morte, de tortura e de estupro corretivo por ser orgulhosamente lésbica e ativa na luta dos direitos das mulheres. Foram meses de escolta policial e de diversas restrições da minha liberdade, até que em maio deste ano, o homem que ameaçou a mim e outras companheiras deputadas foi finalmente detido pela polícia. E mesmo nos momentos mais duros, o que me fez ter forças para seguir em frente é saber que não estou sozinha e ter a certeza que nosso movimento é irrefreável: teremos cada vez mais mulheres ocupando a política!

Fora Cunha

Mulheres Contra Cunha • São Paulo • 30/10/15. Foto: Mídia NINJA

Infelizmente, essa ofensiva conservadora contra as mulheres não é novidade. No entanto, somos nós que conseguimos frear ou, ao menos, diminuir a velocidade com a qual tentam atropelar nossos corpos. Embora haja quem defenda – homens, diga-se de passagem – que nossos atos não adiantam de nada, são nossas mobilizações que garantem que mesmo em contextos de ascensão da extrema-direita seja possível manter alguns direitos. 

Nós sempre estivemos nas ruas. Sempre nos manifestamos e fomos protagonistas nos protestos e nas lutas históricas do Brasil e da América Latina. Estive ao lado das companheiras na construção e organização de diversos atos, desde as Jornadas de Junho de 2013, passando por muitas mobilizações da luta por moradia digna que tem as mulheres como suas principais lideranças nas ocupações urbanas.

Participei das manifestações contra o golpe de caráter misógino que destituiu a ex-presidenta Dilma Rousseff e das manifestações Fora Cunha, figura chave na consolidação do golpe. Aliás, os atos Fora Cunha têm certa semelhança com o Fora Lira: ambos ocupando o cargo de presidente da Câmara, com posturas ultraconservadoras e de criminalização às mulheres.

Os atos tomaram conta de todo o Brasil e o restante da história já sabemos: ainda em 2016, depois de  conceder a autorização para o processo de impeachment, Cunha foi cassado e se tornou inelegível até 2026 por montar um esquema para esconder patrimônios no exterior e receber propina de mais de cinco milhões de dólares. Lira que se cuide para não ter um destino parecido e se tornar inelegível.

Ele Não

Ele Não BH – Foto: Mídia NINJA

Falando em inelegível, em setembro de 2018, também ocupamos as ruas com nossas diversidades nos atos do Ele Não. As mulheres foram as lideranças nos atos que aconteceram em mais de 260 cidades brasileiras, mobilizando mais de um milhão de pessoas, de acordo com levantamento do jornal Brasil de Fato. Em Belo Horizonte, fizemos uma manifestação histórica com cerca de 100 mil pessoas se manifestando contra o fascismo que vem colado na misoginia, no racismo, na lgbtfobia. 

Desta vez perdemos, é verdade, e tivemos que viver sob o governo Bolsonaro durante quatro anos. Foram quatro anos de muita luta e articulação política, de trabalho de base, de diálogo, de organização comunitária e de resistência que nos permitiu em 2022 eleger Lula para presidente e derrotar Bolsonaro nas urnas. 

No entanto, sabemos que nenhum presidente governa sozinho e é fundamental eleger parlamentares, prefeitos e governadores comprometidos com a democracia, com a vida das mulheres e com a defesa de direitos humanos e trabalhistas. Precisamos eleger mulheres com consciência feminista. 

Vivemos um ano emblemático nesse sentido, o ano em que a extrema-direita cria estratégias legislativas para esmagar a vida das mulheres, é também o ano em que temos a oportunidade de colocar mais mulheres na política. 

Claro que não basta ser mulher, precisamos de mulheres comprometidas com as nossas lutas, mulheres negras, de periferias, mães, LBTs, trabalhadoras, enfim, mulheres capazes de propor e aprovar leis municipais que tenham impactos reais nas nossas vidas. Mulheres que, pelas suas histórias de vida, tenham a ousadia de criar outras formas de fazer política que destruam, de vez,  as sombras do fascismo no nosso país.