Argentina em pé frente ao fascismo
Argentina teve seu ato de repúdio ao presidente Jair Bolsonaro.
Por Juan Manuel Palomino Domínguez*
Latino América é rica, plural, vigorosa, rebelde. Desde Tijuana, e passando por Cartagena, Ouro Preto, Humahuaca e até Ushuaia, o fim do mundo, o nosso continente tem todos os tipos de climas e paisagens. Todas as cores de pele, mas com uma única alma alegre e corajosa.
Para o historiador inglês Perry Anderson “Desde inícios do século XX que América Latina permanece em constante revolta, pugnando por atingir um estado puro de real democracia”.E é assim mesmo que ficou demonstrado na festa popular #FueraBolsonaro que foi organizada na Argentina: Setoriais de mulheres, agrupações LGBTQI+, coletivos culturais, cooperativas, organizações sindicais, as Mães da Praça de Maio, políticos e quase todos os atores sociais que resistem às politicas impopulares do Mauricio Macri e Jair Bolsonaro se fizeram presente e foram milhares.
Teve um depoimento intenso da Norita Cortiñas, quem durante a ditadura argentina enfrentou o terror do estado militar, junto com outras mães, só com um guardanapo na cabeça e fazendo a ronda de toda quinta, sem descanso e sem recuar. Teve o Coletivo Passarinho e seu representante, o Paulo Pereira, um brasileiro morando na Argentina há uns quatro anos, que compartilhou palco com as mães e falou de toda nossa angustia e indignação por esse retrocesso, por esse discurso e politica infame que tem tomado as cabeças do povo e sobre todo da sempre questionável classe média, incapaz tantas vezes de se reconhecer nos seus próprios irmãos menos favorecidos. Teve a Paula Arraigada, do movimento das Transsexuais Nadia Echazú, que pegou o microfone e falou com força “Não podemos receber com um tapete vermelho aquele que nega nossas identidades auto percebidas, temos que se unir porque sozinhos não conseguimos nada. Pelas travestis e os militantes, artistas, trabalhadores e intelectuais assassinados durante as ditaduras, Fora Bolsonaro!”.
Para quem conhece o cenário politico argentino, entende do significativo que foi essa manifestação ter congregado dois setores da esquerda historicamente em conflito: O Kirchnerismo e o Troskismo, do Polo Obrero e do MAS. O Bolsonaro conseguiu o que anos de tentativas de união não conseguem fazer: Colocar essas duas vertentes, em paz, num mesmo ato de protesto.
Na transmissão ao vivo do “Coletivo Passarinho” deu para ver uma exultante bandeira vermelha do MTST, uma outra do “Frente Pátria Grande”, o “MAS” e o grupo “Quebracho”. Na tela grande rolaram fotos do 30M, os protestos pelos recortes na educação que o governo do Bozo está fazendo. O coletivo feminista do “Nem uma a menos” aproveitou a oportunidade para pedir pela aprovação da lei do aborto que está sendo tratada no parlamento e, ao respeito do Bolsonaro, cantaram uma música que já é um clássico para os movimentos que buscam justiça pelo crimes realizados durante a ditadura “Como com os nazistas vai acontecer, aonde eles fossem nós os iremos buscar!”. A banda “Sudor Marika”, tocou seu repertório de cumbias, a música mais popular e sinónimo de festa para o povo argentino, com vários músicos vestidos com camisas do Brasil e a lenda “lulalivre”.
A barreiras da língua foram transcendidas. Teve muita festa, muitos abraços, depoimentos em português e em espanhol. Muitos artistas populares, argentinos e brasileiros, que se reconhecem no sofrimento dos seus irmãos, se fizeram presente.
Em momentos em que o fascismo mais consiga nos atormentar, sempre é bom pensar que tem um irmão disposto a dar uma mão.
Sempre é bom reconhecer que ocupamos um espaço muito pequeno, e que mesmo assim é preciso de dar lugar a aqueles que não tem nem isso. A prática da construção política pede a simplificação do relato: para conseguir a harmonia social tão procurada, a balança dos privilégios tem que ser equilibrada.
O fascismo, que carrega um alto degrau de narcisismo, tem que ser substituído pelos projetos coletivos de reconhecimento da pluralidade.
A rua, na Argentina, no Brasil e no mundo inteiro pede a gritos inclusão. As eleições desse ano no pais vizinho podem ser o pontapé inicial para a volta dos governos populares na região. Juana Azurduy, José Martí, Carlos Mariátegui e Paulo Freire, entre outros, sonharam com isso.
*Cineasta, escritor e jornalista baseado no Brasil.