Aniversário de Marielle Franco – Quando a flor rompe o asfalto
Sinto tanto a sua falta, minha amiga. Mas seu brilho continuará iluminando os nossos caminhos.
Hoje, 27 de julho, Marielle Franco faria 45 anos. Em honra e memória desta minha amiga – uma mulher que, apesar de ter sido brutalmente assassinada em 2018, transcendeu a esfera política para tornar-se ícone e símbolo internacional das lutas por direitos humanos, justiça social, e causas feministas, antirracistas e LGBTQIA+ – quero lembrar do último texto que ela publicou: “A emergência da vida para superar o anestesiamento social frente à retirada de direitos: o momento pós-golpe pelo olhar de uma feminista, negra e favelada”, no livro Tem Saída? Ensaios críticos sobre o Brasil (Editora Zouk, 2017).
O texto aborda o impeachment da primeira presidente mulher do Brasil, Dilma Rousseff, como um ato autoritário, apesar de justificado dentro do arcabouço legal. Este evento político destacou a divisão entre uma presidenta de esquerda, vista como progressista por muitos, e um sucessor de direita, branco e associado às classes dominantes. Para Marielle, já em 2017 era claro que o cenário pós-golpe não apenas alterara o equilíbrio político, mas também teria impactos sociais significativos, exacerbando desigualdades existentes e aumentando a discriminação e criminalização de negros, de pessoas pobres, das mulheres.
O foco principal do texto é nas faveladas, destacando múltiplas realidades e desigualdades sociais, econômicas e culturais. Mulheres que enfrentam condições de vida precárias, com acesso limitado a serviços públicos básicos, transportes, educação e oportunidades de trabalho dignas, vítimas frequentes da violência e do racismo e machismo estruturais prevalentes no Brasil.
Para Marielle – ela mesma, como eu, uma mulher, negra, favelada e bisexual – apesar das adversidades, a gente demonstra notável criatividade e estratégia, encontrando formas de superar nossas condições e exercer uma influência positiva nas nossas comunidades.
Desempenhamos papéis ativos na política, na cultura, nas artes, na mídia e na indústria, contribuindo para a vida urbana de maneiras diversas e impactantes.
Em seu texto, Marielle argumenta que a visibilidade e a voz das mulheres negras e faveladas são essenciais para a democracia e para a superação das desigualdades. Ela enfatiza a necessidade de políticas públicas que reconheçam e promovam nossos direitos, e do enfrentamento às estruturas de poder que perpetuam nossa marginalização e exclusão.
No trecho “Quando a flor rompe o asfalto”, Marielle escreve que outros elementos pulsavam na cidade carioca, na contramão de um caminho pavimentado pela descrença, lembrando que a eleição histórica de uma mulher como ela – foram 46 mil votos, em 2016, para uma vereadora favelada, negra e feminista e que assume posição política de esquerda – era uma pulsão positiva. A repercussão deste feito é o reconhecimento da importância de ocuparmos espaços de poder por meio das eleições, nas palavras dela, “cindindo ao máximo a concentração masculina e branca que toma tais ambientes”.
Em um contexto político já marcado pelo crescimento expressivo do conservadorismo e do autoritarismo, seu texto conclui com um apelo à esquerda, para fortalecer suas estratégias de resistência e ampliar a participação política das mulheres negras e faveladas, visando construir uma sociedade mais justa e inclusiva para todos.
Sinto tanto a sua falta, minha amiga. Mas seu brilho continuará iluminando os nossos caminhos.