Alimentação inclusiva nas escolas é uma questão de igualdade e de saúde pública
Garantir que todos os alunos – inclusive aqueles com necessidades alimentares especiais – tenham acesso a uma alimentação segura e nutritiva é um desafio complexo, mas essencial
Por Leila Monnerat
O Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) é considerado atualmente como um dos maiores programas de alimentação escolar do mundo, servindo de modelo para outros países. A legislação que o rege passou por modificações nas últimas décadas para contemplar estudantes que possuem necessidades alimentares especiais. Este grupo de pessoas inclui aqueles que sofrem de alergias alimentares, intolerâncias, sensibilidades alimentares e doença celíaca. A gestão dessas condições requer cuidados específicos para evitar reações adversas – que podem variar de leves a graves, incluindo anafilaxia, no caso dos alérgicos, e que pode ser fatal.
A alteração mais recente na lei 12.982/2014 – que dispõe sobre a inclusão alimentar nas escolas – está em tramitação na Câmara dos Deputados. O projeto de lei 5134/2023, de autoria de Duarte Jr. (PSB/MA), torna obrigatória a oferta de alimentos sem glúten e lactose – não apenas em instituições de ensino, como escolas e creches – mas também em hospitais e centros de atendimento para crianças e adolescentes. De acordo com o parecer do relator, o Deputado Dr. Allan Garcês (PP-MA) – apresentado em 20/06 – esse PL deve ser aprovado com substitutivo à lei 12.982/14. Segundo a proposta, as instituições que prestam serviços a crianças e adolescentes “devem oferecer opções de alimentos sem glúten e lactose em seus cardápios regulares, garantindo uma dieta segura e adequada para crianças e adolescentes com alergia ou intolerância”.
A proposta do substitutivo determina ainda que será de responsabilidade da instituição a capacitação de sua equipe de alimentação para lidar com a preparação e distribuição de alimentos sem glúten e lactose, garantindo a ausência de contaminação cruzada. E prevê que ficaria a cargo do órgão responsável pela aplicação da lei assegurar o abastecimento contínuo e imediato de alimentos sem glúten e sem lactose. A alteração da redação dada à lei anterior é importante. Porém, é interessante pontuar que, dentro da proposta do PL 5134/2023 – que já está pronta para pauta na Comissão de Previdência, Assistência Social, Infância, Adolescência e Família (CPASF) – somente alimentos isentos de glúten e a lactose ficam expressamente designados pela lei, não sendo mencionados outros componentes alimentares que são alérgenos em potencial.
O que diz a Ciência
A incidência das alergias alimentares tem aumentado no mundo todo nas últimas décadas, sendo relativamente comuns em crianças abaixo de 3 anos de idade, e também em adultos. Segundo revisão bibliográfica dos autores do Consenso Brasileiro sobre Alergia Alimentar, publicado em 2018 pela Sociedade Brasileira de Pediatria em parceria com Associação Brasileira de Alergia e Imunologia, “na infância, os alimentos mais responsabilizados pelas alergias alimentares são leite de vaca, ovo, trigo e soja, que em geral são transitórias”.
O mesmo levantamento cita que, além dos alimentos, alguns aditivos químicos empregados na indústria alimentícia podem causar alergia (embora mais raramente) e destaca os sulfitos (ou agentes sulfitantes, usados como conservantes), o glutamato monossódico (também chamado de MSG, usado como realçador de sabor), o corante amarelo tartrazina e o corante vermelho carmim como sendo os mais envolvidos em reações adversas. Mais de 170 componentes alimentares já forem descritos como alérgenos em potencial.
Já em relação à doença celíaca, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), 1% da população mundial tem diagnóstico de doença celíaca, desencadeada pela ingestão de glúten. Estima-se que, no Brasil, existam cerca de 2 milhões de pessoas que não possam ingerir glúten por conta dessa condição.
O que determina a legislação brasileira
No contexto no PNAE, a legislação federal que prevê a inclusão alimentar no ambiente escolar foi evoluindo ao longo das últimas duas décadas:
– Lei 11.947/2009: dispõe sobre o atendimento da alimentação escolar e do Programa Dinheiro Direto na Escola aos alunos da educação básica, entre outros temas;
– Lei 12.982/2014: altera a Lei nº 11.947, de 16 de junho de 2009, para determinar o provimento de alimentação escolar adequada aos alunos portadores de estado ou de condição de saúde específica.
– PL 5134/2023: apresentado em 20/06 como substitutivo, altera a Lei n° 12.982, de 2014, para dispor acerca da inclusão de alimentos isentos de glúten e lactose no cardápio das instituições no cardápio das instituições que prestam serviços a crianças e adolescentes.
Embora já seja um aspecto previsto em lei federal, alguns estados e municípios possuem legislações específicas que contemplam a inclusão alimentar no ambiente escolar. Alguns exemplos são Araguaína/TO, Recife/PE, além de Rio de Janeiro, São Paulo, Espírito Santo e Rondônia. Nessas localidades, programas específicos foram desenvolvidos para atender alunos com necessidades alimentares especiais e envolvem a elaboração de cardápios personalizados, além da realização de capacitação dos funcionários das escolas, e parcerias com profissionais de saúde para um acompanhamento mais próximo.
Os desafios da alimentação inclusiva na merenda escolar
Com relação à questão da inclusão alimentar no ambiente escolar, o primeiro desafio é a identificação correta das necessidades alimentares especiais dos alunos. É essencial que haja um diagnóstico médico adequado e uma comunicação eficaz entre os pais, os profissionais de saúde e as escolas. Isso garante que as necessidades individuais sejam conhecidas e atendidas. Outro ponto importante é a formação contínua dos profissionais envolvidos na preparação e distribuição da merenda escolar é fundamental. Cozinheiros, nutricionistas e outros funcionários da escola precisam ser capacitados para reconhecer os diferentes tipos de necessidades alimentares e para manusear e preparar os alimentos de forma segura, evitando contaminação cruzada.
Além disso, a elaboração de cardápios diversificados e adaptados é um passo essencial. Os nutricionistas escolares devem planejar refeições que atendam às diretrizes nutricionais e, ao mesmo tempo, sejam seguras para alunos com necessidades alimentares especiais. Por exemplo, é preciso evitar ingredientes comuns como leite, ovos, amendoim, soja, glúten e frutos do mar para aqueles que são alérgicos a esses alimentos. Alternativas nutritivas e seguras devem ser incluídas para garantir uma alimentação equilibrada. Diante disso, a aquisição de alimentos seguros e adequados é outro desafio. O PNAE deve assegurar que os fornecedores estejam comprometidos com a qualidade e a segurança dos alimentos, e que os produtos estejam rotulados corretamente, facilitando a identificação de possíveis alérgenos.
A implementação de políticas claras e práticas para a inclusão alimentar é crucial. Isso inclui a criação de procedimentos padrão para lidar com emergências, como reações alérgicas, e o estabelecimento de sistemas de monitoramento contínuo para garantir que as políticas sejam seguidas corretamente. A participação dos pais e responsáveis é essencial nesse processo, garantindo uma comunicação aberta e transparente.
A inclusão alimentar na merenda escolar é um aspecto vital do PNAE, refletindo o compromisso do Brasil com a equidade e a saúde de seus estudantes. Garantir que todos os alunos – inclusive aqueles com necessidades alimentares especiais – tenham acesso a uma alimentação segura e nutritiva é um desafio complexo, mas essencial. Através da identificação adequada das necessidades, capacitação dos profissionais, planejamento cuidadoso dos cardápios, fornecimento de alimentos seguros e implementação de políticas robustas, o PNAE pode continuar a ser um modelo de sucesso em segurança alimentar e inclusão nutricional. A colaboração entre escolas, famílias e profissionais de saúde é fundamental para o sucesso dessa missão.