Abominável inelegível
O longo silêncio do condenado, desde que perdeu a eleição, esfriou o seu próprio eleitorado.
Na semana passada, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) condenou Jair Bolsonaro por abuso de poder nas eleições de 2022, caracterizado pela convocação dos representantes de missões diplomáticas para uma reunião no Palácio da Alvorada, em que criticou o sistema de votação eletrônica e o próprio TSE, tudo para minar a legitimidade do resultado eleitoral.
Benedito Gonçalves, ministro relator do caso, votou pela condenação do ex-presidente Jair Bolsonaro à inelegibilidade por oito anos
A condenação implica na sua inelegibilidade por oito anos, contados a partir da data do primeiro turno das últimas eleições (2/10). Bolsonaro só poderá voltar a ser candidato em 2030.
Não houve reação significativa à condenação. Ao que parece, o longo silêncio do condenado, desde que perdeu a eleição, esfriou o seu próprio eleitorado. Da revelação das tentativas de golpe de Estado até as peripécias com as jóias das arábias, essa frieza virou tristeza. A condenação chegou previamente precificada.
Advogados falam em recorrer, deputados falam em anistiá-lo, mas já são os jogos de cena promovidos pelos que disputam fragmentos eleitorais do bolsonarismo. Nas suas próprias hostes, a condenação está sendo comemorada com intensas articulações para ocupar o espaço vazio deixado por ela.
Espantalho eleitoral
Bolsonaro tornou-se assessor sênior do PL (Partido Liberal) e, diante da condenação, disse que quer ser um excelente cabo eleitoral. Em seu favor, há um monte de ex-ministros e aliados que conquistaram posições importantes nas últimas eleições. Porém, essa transferência de votos não se dá, propriamente, pelo canal formal do partido, mas por afinidades ideológicas regressivas. Bom exemplo foi a vitória, com o apoio da família Bolsonaro, de Damares Alves, do Republicanos, sobre Flávia Arruda, do PL, na disputa para o Senado no Distrito Federal.
Além de lidar com um pacote de processos judiciais, Bolsonaro terá que reanimar uma parte dos seus seguidores, sem dispor dos mesmos meios e recursos de quando estava no poder. O seu desafio será manter aberta a “Caixa de Pandora” da extrema-direita. Na recente reaparição pública, ele se disse “abortado” pelo TSE e “subliminarmente acusado” pelo colapso do submarino Titan.
Bolsonaro está incomodado com a movimentação política da sua esposa Michele. Já insinuou, mais de uma vez, que considera “over” uma eventual candidatura dela à presidência. A sua assunção à presidência do PL Mulher, promovida por Valdemar Costa Neto, presidente do partido, assim como a sua cultivada imagem de santa evangélica, foram detonadas pelo escândalo das jóias.
Vamos ver como vai funcionar esse mega cabo eleitoral nas eleições municipais de 2024. Para 2026, acho que ele não endossará nenhum dos nomes que estão sendo indicados como eventuais sucessores: Michele, Tarcísio de Freitas, Romeu Zema, Braga Netto, Tereza Cristina. Vai apostar na deterioração do governo Lula e do cenário político nacional para viabilizar um golpe – tão desejado – que o reponha no poder, já que 2030 está longe demais.
Tendência reeleitoral
Mas não há nada que indique uma deterioração do quadro político ao ponto de facilitar um golpe. Os problemas herdados pelo governo Lula são enormes: fome, violência, devastação ambiental, isolamento diplomático, juros gritantes e hipertrofia fisiológica do Congresso. Mas os sinais disponíveis são de reversão desse quadro. A despeito de eventuais erros, a diplomacia presidencial já repôs o Brasil no mundo. A economia começa a reagir e a melhorar a popularidade do presidente, o que facilita as relações com o Congresso.
É muito prematuro cravar cenários para as eleições de 2026. Mas, com o país se recuperando e Bolsonaro fora do jogo, a reeleição de Lula emerge como hipótese quase óbvia, inconteste entre os seus aliados, reduzindo as chances de vitória de eventuais candidatos de oposição. Ficará difícil a missão do Bolsonaro, seja como golpista ou como cabo eleitoral.
E aí veremos se Michele se dispõe ao sacrifício e como isso impactará os demais projetos eleitorais de direita, ou se ela seguirá o conselho do marido de baixar a bola e tentar uma cadeira no Senado. Veremos, também, se Tarcísio se desincompatibilizará para disputar a presidência, abrindo mão de nove meses de mandato, ou se ficará no cargo para tentar a reeleição. Todos terão que refazer as contas.
Será difícil Bolsonaro sobreviver a esses oito anos. Ele estará com 75 e novas condenações são prováveis. Pode ser que, até 2030, se dissolva o tipo de polarização política que hoje envolve o Brasil.