A prisão em segunda instância
O Ministério Público e o Poder Judiciário são fortes com os fracos e fracos com os fortes. Milhares de pessoas negras e pobres estão presas no Brasil sem terem sido sequer condenadas, outras foram condenadas em primeira ou segunda instância e aguardam resultados de recurso no STJ e STF presas.
Milhares de pessoas negras e pobres estão presas no Brasil sem terem sido sequer condenadas, outras foram condenadas em primeira ou segunda instância e aguardam resultados de recurso no STJ e STF presas.
Em casos de acusações por tráfico de drogas, as condenações são a jato. Em torno de 70% dos casos nos presídios femininos são por tráfico de drogas. A grande maioria, trata-se de pessoas primárias, de bons antecedentes e com pequena quantidade.
As audiências são a jato. Os processos dos denunciados por tráfico de drogas, por exemplo, por eles estarem em regra presos, têm prioridade, de modo que são rapidamente condenados com ínfima quantidade. Na primeira instância, sozinho com a oitiva de dois policiais e um interrogatório, um juiz condena uma pessoa a 10 anos ou mais de cadeia. Quanto mais pobre, maior a pena. Em torno da metade dos condenados por tráfico de maconha estava com menos de 50 gramas, com pouquíssimo dinheiro e o comprador nunca dá o ar de sua graça. O condenado recorre para a segunda instância, onde três desembargadores, em quase todas as câmaras criminais do Rio de Janeiro, em julgamentos que duram sequer 10 minutos, acordam, após breve relatório e sem sustentação oral, em manter a sentença da primeira instância, isso quando ainda não aumentam a pena ou mesmo condenam o recorrido que havia sido absolvido.
Existe uma nítida condição de proximidade entre juízes e promotores durante toda a carreira, o que se apresenta visualmente como uma espécie de sociedade jurídica. Tanto que, no julgamento, juiz e promotor sentam-se em cadeiras posicionadas uma ao lado da outra, enquanto o advogado senta-se abaixo. Essa simbólica disposição espacial diz muito acerca das relações entre os atores sociais envolvidos. Da mesma forma, na maioria dos casos, os desembargadores dão provimento aos recursos do Ministério Público e negam as apelações da defesa.
É importante registrar que um dos argumentos mais fortes para justificar os altos salários dos promotores e juízes é evitar a corrupção. A prisão de jovens, negros e pobres por tráfico de drogas é uma vergonha. A maior pena da lei de drogas é do artigo 36, oito a vinte anos de reclusão por financiar a custear o tráfico. Parece até se tratar de letra morta, pois seus casos são raríssimos. Tirando aqueles que acreditam na cegonha e no papai noel, todos sabem que milhões em notas de reais não são lavados em operações financeiras dentro das favelas. No varejo da favela, não se aceita cheque, nem cartão de crédito, é tudo comprado e vendido em dinheiro em espécie emitido pela Casa da Moeda. Onde estão esses sacos de dinheiro? Não é o chefe do morro que transforma isso em dólar ou em euro?!
É mentira que se combate o tráfico de drogas no varejo da favela, prendendo vendedores de mutuca de maconha como camelôs em tabuleiros de madeira. Também não são os consumidores que financiam o tráfico de drogas. Os financiadores do tráfico de drogas lavam e operam milhões livremente sem qualquer investigação, são multimilionários e bilionários do mercado financeiro. O Ministério Público e o Poder Judiciário são fortes com os fracos e fracos com os fortes.
Quando falamos em prisão, devemos pensar que isso pode acontecer com qualquer um de nós. O perigo torna-se maior, porque prender virou negócio. O Ministro da Justiça já está vendendo a privatização das cadeias como um grande negócio.
A prisão automática de alguém condenado em segunda instância, além de inconstitucional, é uma aberração, pior ainda na maioria dos casos em que as pessoas são primárias, de bons antecedentes e com residência fixa. Teoricamente, antes de uma condenação criminal transitar em julgado, quando não cabe mais recurso, só existe a prisão processual, quando o acusado está atrapalhando a instrução do processo coagindo uma testemunha, ou para garantir a aplicação da lei penal, quando o acusado ameaça fugir. Cuidado para não se prender!
ANDRÉ BARROS é advogado da Marcha da Maconha, mestre em ciências penais, vice-presidente da Comissão de Direitos Sociais e Interlocução Sociopopular e membro do Instituto dos Advogados Brasileiros.