A memória que resiste
Vidas marcadas por uma separação agora tentam se reencontrar Parece roteiro de filme. Um dia, a mãe de Sandra não voltou para a casa. Seu pai, em desespero, entregou todos os filhos para a adoção. Anos mais tarde, esses irmãos tentam se reencontrar. Alguns conseguem graças a um site próprio para encontrar pessoas desaparecidas. E […]
Vidas marcadas por uma separação agora tentam se reencontrar
Parece roteiro de filme. Um dia, a mãe de Sandra não voltou para a casa. Seu pai, em desespero, entregou todos os filhos para a adoção. Anos mais tarde, esses irmãos tentam se reencontrar. Alguns conseguem graças a um site próprio para encontrar pessoas desaparecidas.
E algumas peças do quebra-cabeças começam a fazer sentido. O paradeiro da mãe, que sofria de perdas de memória e a localização atual dos irmãos ainda não foram encontrados.
Mas estes eventos poderiam pertencer a páginas ainda incompletas de um livro, que ninguém sabe o final ainda. Como ela acaba? Bem, isso também depende da pessoa que está descobrindo a história agora. Uma dessas irmãs se reuniu comigo para contar a sua versão na esperança de que, ao reescrever o passado, consiga encontrar uma família que começou na Bahia, na cidade de Campo Formoso, em um vilarejo chamado Puchadeira.
Oi, Sandra, pode nos contar como começou essa busca pelos seus irmãos?
Esse relato começa comigo, Sandra Cristina da Silva e Natalina Dias da Silva. Juntas, encontramos a irmã Gercina Dias da Silva e procuramos ainda por dois irmãos mais velhos, Anacleto Laurencio da Silva e Antonio Carlos da Silva. O evento que separou esta família começou com a doença que se abateu sobre minha mãe, fazendo com que ela tivesse lapsos de memória e não conseguisse voltar para casa.
Contamos hoje com a ajuda de quem nos lê para reescrever esta história.
Qual é a memória que guarda dos seus pais?
Como disse, nossa narrativa se inicia no vilarejo de Puchadeira, onde meu pai e minha mãe se casaram e foram instalar-se em Centenário do Sul, no Paraná, em 1956, quando nasceu meu irmão mais velho, Anacleto Laurencio da Silva.
Meus pais, Eulina Dias da Silva e Laurêncio Bernardino da Silva vieram da Bahia para o Paraná trabalhar na colheita do café, porém ele estava cada dia em cidades diferentes, e por isso o meu segundo irmão, Antônio Carlos da Silva, nasceu em Palmeiras D’Oeste, em São Paulo, no ano de 1958. Minha irmã mais velha nasceu em Três Lagoas (MS), Gercina Dias da Silva.
E para quem está acompanhando e pode ter informações, onde você e sua irmã Natalina, a primeira que reencontrou, nasceram?
Eu, Sandra, nasci em Coxim (MS) e sua irmã Natalina nasceu em Marinópolis (SP).
Um dia, a mãe que sofria com perdas de memória, não conseguiu voltar para casa e o pai, em desespero, entregou todos os filhos para doação.
Sabendo disso, como conseguiu fazer o caminho de regresso? Como acabou descobrindo para onde cada irmã foi?
Natalina ficou com uma família em Coxim, no Mato Grosso do Sul, por volta de 1970, com 3 anos de idade. Foi morar com o filho de um fazendeiro, com uma família que criou como serviçal em vez de filha. Sem saber nada sobre a família e apenas com as informações de que seu pai fora embora e sua mãe havia morrido, ela jamais ousou perguntar. Com 16 anos, o destino mais uma vez mudou o enredo de sua vida: sua mãe adotiva faleceu devido a um problema de saúde nos rins e ela se viu em 1984 mais uma vez órfã com dois filhos da família adotiva.
Enquanto Natalina estava em Coxim, eu Sandra, irmã caçula, fiquei aos cuidados da família Martinez em Santo André (SP) com uma outra versão da história. Minha mãe adotiva me contava que a biológica estava doente e meus outros irmãos teriam ficado com o meu pai. Diferente da Natalina, eu cresci feliz no seio da família adotiva. Em 1982, notícias do passado balançaram o meu mundo: uma tia biológica entrou em contato com minha mãe adotiva mostrando uma foto da mãe biológica. Isso promoveu um encontro com a minha irmã mais velha, Gercina, que morava com outra família em Rio Grande da Serra. No dia marcado, encontrei minha tia, que me entregou a foto de minha mãe biológica.
Mas a sua irmã não foi ao encontro que tinham combinado, verdade?
É, Gercina, não apareceu.
Havia se casado e ido morar em Pernambuco. No encontro, a tia biológica contou que depois de uma trilha de investigação, havia descoberto que minha mãe estava internada no Pinel e que havia tido alta do hospital onde foi acompanhada por um homem do qual o hospital não tinha o nome. Com 15 anos na época, eu não soube o que fazer e no ano de 1984, minha mãe adotiva veio a falecer, decidi ir morar sozinha e me casei em 1989, mesmo ano em que por fim conheci a irmã mais velha.
Este reencontro acabou acontecendo depois, certo?
Gercina me visitou por um dia, grávida do terceiro filho. Quando partiu, prometeu que escreveria, mas isso não aconteceu. Sabendo apenas que minha irmã morava em Jaboatão dos Guararapes, perdi o contato e o tempo passou, mesmo com saudade e com a nova vida de recém-casada, não fui procurá-la.
O que parece ter sido um divisor de águas para você foi um site de pessoas desaparecidas. Como que foi isso?
Sim, em 2000, comprei um computador e passei procurar pela família perdida. Passei madrugadas buscando notícias da mãe, do pai e de Gercina, visto que eram os únicos nomes que tinha.
Como nunca desisti de procurar pela minha família, um dia encontrei um site chamado Good Angels e lá deixei meu recado. Em 2011, decidi que iria procurar um advogado para ajudar nas buscas. Ao contar para minha filha a decisão e dizer que havia deixado meu relato em um site de pessoas desaparecidas, ela duvidou. Para provar que havia deixado o tal recado, fui ao site para mostrar a ela e qual não foi a surpresa quando encontrei uma resposta ali.
Era o relato de minha irmã!
Qual foi a primeira coisa que fez depois de encontrar sua irmã no site?
Sob posse do nome, eu investiguei Natalina no Orkut e mandei mensagem a três conhecidos dela para garantir que a mensagem encontraria o destino certo.
Como resultado, encontrei minha irmã perdida.
No ano seguinte, em 2012, graças ao site do Tribunal Superior Eleitoral, eu e Natalina encontramos Gercina morando em Pitimbu e dessa forma, nós três nos encontramos, reconectando algumas pontas soltas na história da família!
Mas a busca não acabou. Vocês ainda não acharam todos os irmãos.
Sim, nossa procura continua.
Nós três nos reencontramos, porém apesar de tantos esforços, vários quilômetros percorridos por cidades e estados do país, cruzando informações de cartórios, hospitais, cemitérios e alguns alarmes falsos, ainda não conseguimos encontrar meus irmãos mais velhos. Com o isolamento social, as buscas presenciais precisaram ser interrompidas temporariamente, mas como a persistência é o nosso lema, realizamos buscas intensas via internet e encontramos algumas informações que precisam ser checadas. Trata-se de pessoas com o mesmo nome e sobrenome do Anacleto. Essas pessoas residem no Rio de Janeiro e em Pedreira – Maranhão.
Se você que chegou até aqui e tiver alguma informação, entre em contato. Te convidamos a dar informações pelos emails: [email protected] e [email protected]
Que neste período de distanciamento e convite à empatia possamos nos lembrar da força de histórias como a de Sandra e possamos nos unir para fazer uma família que se perdeu nas linhas da vida se encontrarem mais uma vez.