A herança de Cunha: uma casa fechada para o povo
Quando o então deputado Eduardo Cunha subiu sorrindo os degraus da Mesa Diretora e as vozes elevaram o tom lá fora, o Parlamento se fechou tal qual uma jaula.
Pela janela do tradicional táxi branco, passando pelo gigantesco Eixo Monumental, o Congresso Nacional despontava no horizonte com suas duas colunas clichê. Reluzia numa espécie de palacete virtual, desses que a gente nem sempre espera encontrar de repente. Aquele ano de 2012 nem de longe suspeitava que o gramado da Esplanada, que o encara diariamente de frente, entraria em caos muitas vezes. Muito mais que Niemeyer poderia imaginar na década de 50.
Desde 2015 a Câmara dos Deputados encara esse pesadelo quase que cotidianamente. Quando o então deputado Eduardo Cunha subiu sorrindo os degraus da Mesa Diretora e as vozes elevaram o tom lá fora, o Parlamento se fechou tal qual uma jaula.
Grades de última geração foram instaladas nas portas amplas do projeto original e um arsenal de bloqueios foi planejado de forma urgente para dar conta dos protestos. A vida dos movimentos sociais se transformou num verdadeiro inferno com a chegada de Cunha ao poder.
É comum transitar pelos corredores escuros e perceber que a expressão Casa do Povo morreu faz tempo. Escudos policiais repousam amontoados nas paredes por toda partem todos os cantos, diversas portas e entradas oficiais foram lacradas. Correntes como fechadura e tapumes como muros.
Dia desses, como quem tenta “ajudar”, a Câmara divulgou na rede interna aos seus funcionários formas de fugir dos prédios em caso de invasão. Exatamente, invasão do povo.
É como se pensasse: “Cuidado, terráqueos, alienígenas estão chegando com placas de Fora, Temer! Saiam pelas escadas de forma ordeira”.
Os servidores rechearam de críticas o informe. Alguém disse: “Enquanto a Casa votar reformas absurdas, a população vai querer debater sim”. Outra completou: “Quanto mais o poder legislativo se fecha literalmente, mais perigoso fica”. Um tiro no pé. E é exatamente isso que está acontecendo na relação do Parlamento com o Brasil.
Cobrindo o cenário político e sua agenda há anos, por diversas vezes testemunhei o impensável nestes tempos de confronto. A pior delas foi durante o protesto contra as reformas trabalhista e da Previdência no mesmo gramado pacífico do começo dessa história, hoje eternizado na internet como um campo de guerra jamais visto. Inúmeros idosos e jovens sendo rechaçados à base de quilos de bomba de gás lacrimogêneo e balas de borracha. Vários deles caíram no chão na correria e acabaram pisoteados pelo pânico. Uma comerciante idosa, encurralada entre dois ministérios com sua banca de doces, chorava copiosamente com o terror. Tudo isso ao som de explosões e um ar envenenado pela polícia militar do Distrito Federal.
Tem tempo que Cunha não é mais presidente da Câmara, você sabe. Mas pelo que se enxerga lá dentro, seu legado de repressão e ódio permaneceu instaurado no ar do Parlamento brasileiro.
Uma herança que destruiu o diálogo e isolou o Congresso Nacional dos sonhos e desejos de sua nação. Os detalhes eu falo numa próxima coluna.