A fúria e a cobiça da elite pentecostal
Movimentam milhões de dólares ao ano, usufruindo da fé de pessoas humildes e desesperadas. São donos de empórios midiáticos, de grandes corporações da comunicação, que utilizam para fazer lobby político com o propósito de expandir ainda mais seu território de influência.
Um depoimento obtido pelo programa de TV “Fantástico”, da emissora Globo, aponta a deputada federal Flordelis (PSD-RJ) como mandante do assassinato do marido, pastor Anderson do Carmo, e mostra que a parlamentar teria oferecido uma filha afetiva do casal para pastores estrangeiros. Segundo a manchete, o MP descreve a deputada da bancada evangélica como uma especialista em manipulação de peso e muito cruel.
Quase que em paralelo, uma matéria na Folha e outra na revista Crusoé revelam a existência de depósitos feitos pelo amigo do presidente Jair Bolsonaro e ex-assessor do seu filho Flávio, Fabrício Queiroz, na conta da primeira dama e outra mulher referente no universo evangélico brasileiro, Michele Bolsonaro. O total depositado na conta da Michele se estima que é como mínimo R$89.000, ainda que essa cifra possa ser somente a ponte de um iceberg gigante de movimentações bancárias milionárias que envolvem à família Bolsonaro em um esquema de rachadinhas e lavagem de dinheiro.
Também nesse mesmo período, o “Pastor Everaldo”, aquele que abençoou Jair Bolsonaro nas águas do rio Jordão, em Israel, foi preso no meio de uma investigação de desvio de recursos para a saúde no Estado de Rio de Janeiro, acusado de corrupção de lavagem de dinheiro. Ele já tinha sido acusado durante a Lava Jato de receber R$6 milhões da Odebrecht para dar uma mão a Aécio Neves em um debate de TV durante a campanha para eleições presidenciais em 2014.
Já em 2017, uma matéria publicada pela redação da “Esquerda Diário” denunciava que, dentro do parlamento, a bancada evangélica, sempre na primeira para organizar perseguições e assédios morais a colegas, jornalistas, artistas, enfim, todo cidadão livre brasileiro; já em 2017 esse grupo de parlamentares contava com 32 integrantes processados por peculato (furto ou apropriação de bens ou valores públicos), improbidade administrativa, corrupção eleitoral, abuso de poder econômico, sonegação fiscal e formação de quadrilha. A Assembleia de Deus, e os deputados ligados a ela, tinham a maior representação na bancada, com 24 deputados, sendo que destes 11 eram réus. Sabino Castelo Branco (PTB/AM), por exemplo, respondia por peculato, crime tributário, captação ilícita de recursos, etc. Tudo isso em 2017, sendo que ao dia de hoje a tendência foi aumentando e os casos de corrupção hoje foram substituídos por assassinatos, violência de gênero e abuso sexual, entre outros.
A participação pública de pastores e seguidores de igrejas evangélicas ou neopentecostais nos processos eleitorais cresceu notoriamente como ofensiva conservadora no Brasil e na região. Eles se tornaram uma parte ativa, com vários níveis de proeminência, das facções de direita em seus respectivos países. A influência desse grupo na população brasileira mais humilde é cada vez maior. O vínculo constante e intenso das igrejas pentecostais ou neopentecostais com os setores populares e as camadas mais pobres da sociedade permitiu-lhes influenciar a política brasileiro como nenhum outro partido ou movimento pode. Contribuiu amplamente com esse processo o descaso de uma esquerda que esqueceu o rol fundamental do trabalho de base, ali onde o neoliberalismo deixa sua marca mais fulminante, a exclusão, a marginalidade, a conflitividade social e familiar. Os templos evangélicos, erguidos nas áreas mais periféricas, supriram a falta de uma estrutura do estado que forneça suporte a, por exemplo, casos de jovens com dependência química, desempregados, mães solo. Em muitos casos a igreja acabou desenvolvendo um papel que historicamente era desempenhado pelos movimentos sociais e organizações sindicais (clubes e associações criadas por grupos de trabalhadores) que davam contenção e serviram durante muitos anos como mecanismos que estimulam o encontro e a solidariedade entre uma classe social que se reconhecia a si mesma e tinha uma clara consciência de pertencimento.
A sucedida diminuição, por parte do neoliberalismo da presença dos sindicatos na vida social, como espaço de suporte e defesa dos setores populares, gerou o vazio de contenção e organização que foi aproveitado e preenchido pelas igrejas evangélicas neopentecostais.
Os pastores neopentecostais são caracterizados por suas habilidades de falar e carisma sobre as multidões. Baseiam-se nos ensinamentos das igrejas pentecostais norte-americanas fundadas no início do século 20, das quais retiram sua doutrina religiosa centrada na difusão e no estudo do evangelho, em busca do “avivamento e encontro com o espírito santo como experiência pentecostal vital”. . Isso faz com que os paroquianos tenham uma identidade e forte adesão à sua Igreja de base, ao invés de uma estrutura distante como o Vaticano.
Este evangelismo atua como apoio a governos neoliberais como os de Sebastián Piñera (Chile), Jair Bolsonaro (Brasil), Lenin Moreno (Equador), Iván Duque (Colômbia), Mauricio Macri (Argentina) e o atual golpe boliviano. E sua influência cresce continuamente na República Dominicana, Costa Rica, México, Guatemala e Peru. Suas mensagens são veiculadas na rádio, na televisão e nas redes sociais, por meio de um aparato midiático financiado com contribuições de paroquianos e, em alguns casos, de grupos empresariais.
Na Europa e na América Latina durante o século XX foi constante a presença de partidos democratas-cristãos, que em muitas ocasiões chegaram ao poder, como aconteceu no Chile, Venezuela, Costa Rica e Guatemala. Em nossos dias, um certo terrorismo radical tomou conta do discurso neopentecostal. Na Bolívia, com a presidenta Jeanine Añez que afirmou que “A bíblia retornou ao palácio” e declarou que a Wipala (bandeira que representa a pluralidade cultural em aquele país) deixaria de existir por ser um símbolo pagão e diabólico. Esses grupos religiosos influenciam a população com teorias conspiratórias como as que deslegitimam a eficácia do isolamento social no combate à Covid-19 ainda que, recorrentemente, apelam às narrativas mas reacionárias para atacar grupos LGBTQI+, políticos, intelectuais e artistas defensores do estado laico e outras agrupações religiosas.
Em janeiro deste ano 2020 a revista Veja publicou uma pesquisa sobre a dívida milionária das igrejas com com a receita. São aproximadamente R$420 milhões de reais devidos em impostas. A esperança desses grupos é de fazer um acordo com o governo federal, liderado por Jair Bolsonaro, a quem ajudaram a eleger durante as últimas eleições. Em um dos primeiros compromissos oficiais de 2020, Bolsonaro se reuniu com líderes da bancada evangélica com quem conversou sobre a possibilidade de exonerar os templos evangélicos de pagar imposto de luz. Esse tipo de lobby, exercendo pressão aos governos de turno é habitual há muitos anos no Brasil e no resto do mundo onde esses grupos religiosos tem algum tipo de influência política.
A começos da década de 2010, a revista Forbes fez um ranking com os líderes evangélicos mais ricos do país. No topo da lista era destaque o bispo da igreja Universal e proprietário do grupo Record, Edir Macedo, com uma fortuna de aproximadamente 2 bilhões de reais. Em segundo lugar encontrava-se o apóstolo Valdemiro Santiago, discípulo do Edir Macedo e ‘dono’ da Igreja Mundial do Poder de Deus, com R$ 400 milhões.
O líder da Assembleia de Deus, Silas Malafaia, registrava à época uma fortuna de R$ 300 milhões. Malafaia é um dos mais ferventes apoiadores do presidente Jair Bolsonaro, além de ser uma das vozes religiosas que mais disseminam o ódio contra grupos LGBTQI+ e religiões africanas.
Os casos de crimes sexuais envolvendo pastores e líderes pentecostais e neopentecostais são cada vez mais habituais. Um pastor de 36 anos, do Município Mineiro de João Monlevade, foi preso em 29 de janeiro de 2015 por promover encontros coletivos entre fiéis que eram escolhidos por ele mas, desde que, apresentassem beleza mais evidente. Em 2019 foi preso um pastor evangélico em Sapucaia do Sul, na Região Metropolitana, suspeito de estuprar, desde 2018, uma menina de 13 anos. A vítima e sua família frequentavam, várias vezes por semana, a igreja e a própria casa do investigado.Também em 2019, um pastor foi preso em Divinópolis por estelionato, falsidade ideológica e lavagem de dinheiro. Em janeiro de 2020, um outro pastor evangélico e psicólogo foi indiciado pela Polícia Civil por assédio sexual, violação sexual mediante fraude, estupro, difamação, injúria racial e violação de segredo profissional. Os casos são inúmeros e vão se acumulando cada dia mais. Em mais de 90% dos casos, as vítimas são os próprios frequentadores das igrejas que esses líderes religiosos comandam.
Muito se afirma que a história é cíclica, que certos fenômenos da civilização se apresentam de maneira periódica no percurso da história. Nesse sentido, os movimentos pentecostal e neopentecostal parece estar repetindo, em representação fé cristã, os abusos e as falhas já cometidas pelo catolicismo durante todo seu período de hegemonia: Apoiar governos opressores e fazer um acúmulo de riqueza incompatível com a fé que professam e da qual se valem para perseguir e oprimir setores heterogêneos da sociedade. Hoje conformam um grupo importante de poder dentro dos estados democráticos, mesmo quando em muitos casos estão por trás derrubá-los com pedidos para a instauração de governos autoritários. luta contra o poder dessa elite não pode ser confundida como luta contra o poder da fé e os valores humanos proferidos dentro da bíblia. A luta é contra um setor que usufrui do desespero dos setores populares, e os manipula para finalmente colocá-los em contra dos seus próprios interesses, ampliando ainda mais as desigualdades sociais. Desigualdades que hoje são um fenômeno que deveria ser pauta prioritária para todo aquele que predica o discurso do bem e que diz representar a salvação do Brasil.