A Espanha é racista?
Assumir que o racismo é histórico, institucional, estrutural e social é uma questão de responsabilidade política, é a maneira de enxergar os efeitos reais dos mecanismos que mantêm a hierarquização racial em nosso país
Por Yeison F. Garcia López
Não me preocupa o grito dos violentos, dos corruptos, dos desonestos, dos sem ética. O que mais me preocupa é o silêncio dos bons. Martin Luther King
A denúncia pública feita por Vinicius Jr. permitiu abrir o debate internacional sobre o racismo na Espanha. Os cantos racistas direcionados ao jogador não ocorrem apenas nos campos da Primeira e Segunda Divisão, é muito fácil encontrar relatos de jogadores afrodescendentes que atuam em categorias inferiores, até mesmo casos que afetam crianças.
Vários jogadores manifestaram publicamente seu apoio, sendo os mais significativos aqueles que denunciaram terem sofrido racismo durante sua passagem pela Espanha, como os ex-jogadores Ronaldo Nazário, Roberto Carlos ou Samuel Eto’o.
Embora seja um problema que afeta o futebol espanhol há muito tempo, e o caso de Vinicius Jr. apenas evidencia a gravidade do assunto, há vários comentaristas esportivos e representantes públicos que tentam minimizar a denúncia do jogador afro-brasileiro.
A maneira como essa problemática é minimizada é recorrendo à afirmação de que apenas uma minoria faz esses cantos racistas. No entanto, essa minoria é legitimada por uma maioria social que se cala diante dos casos de violência racista ocorridos tanto dentro como fora dos estádios de futebol.
O racismo na Espanha não é uma anomalia, não estamos falando de um caso pontual de violência, estamos falando de algo que tem um caráter sistêmico, enraizado no colonialismo espanhol e que ainda perdura no presente. Um dos últimos casos de violência racista foi o massacre de Melilla, onde mais de 23 pessoas negras africanas foram mortas.
Os cantos racistas contra Vinicius Jr. são uma forma de inferiorização, que ocorre ao despojar a pessoa de sua condição humana e transformá-la em um animal, justificando assim sua inferioridade. É o mesmo mecanismo que serviu ao colonialismo espanhol para justificar o tráfico transatlântico de pessoas negras africanas, um negócio do qual a Espanha não apenas participou, mas foi uma das potências europeias que mais se beneficiou desse crime contra a humanidade.
Assumir que o racismo é histórico, institucional, estrutural e social é uma questão de responsabilidade política, é a maneira de enxergar os efeitos reais dos mecanismos que mantêm a hierarquização racial em nosso país. É ir além da violência racista que testemunhamos contra Vinicius Jr. nos campos de futebol, é se comprometer com a desmontagem das lógicas de exclusão racial que ocorrem na Espanha no acesso ao emprego, à educação, à moradia, à saúde, à justiça e à participação política.
É imprescindível que a abertura desse debate sobre o racismo na Espanha também leve a um maior compromisso com o trabalho político e comunitário realizado pelas organizações afro e antirracistas em nosso país. São elas, com seu trabalho diário, que estão criando espaços de resistência antirracista.
Embora o presidente da La Liga, Javier Tebas, que também foi militante de um partido fascista espanhol, o Fuerza Nueva, e simpatizante do partido de extrema direita VOX, tente deslegitimar a denúncia feita por Vinicius Jr, é fundamental expandir esse ato de coragem e continuar lutando para que a sociedade espanhola, nosso país, saia dessa amnésia colonial coletiva, para começar a construir um cenário em que possamos falar sobre racismo a partir de um quadro que coloque a verdade, a justiça e a reparação no centro.
Yeison F. Garcia López é político antirracista e membro do Espacio Afro, na Espanha