Uma das principais lideranças indígenas hoje no Brasil é mulher, vem do Maranhão e pode ser candidata à Presidência do Brasil.

Foto: Thalita Oshiro

Sônia Guajajara publicou hoje uma carta em suas redes sociais anunciando sua pré-candidatura à Presidência da República pelo do PSOL. A iniciativa vem com apoio de filiadas e filiados de 20 estados, que subscrevem a carta do Setorial Nacional Ecossocialista do partido. A partir de agora a definição de quem irá disputar nas urnas com a legenda 50 será feita durante a conferência eleitoral, a ser realizada em 10 de março de 2018. A pré-candidatura conta com uma lista com apoio dos movimentos indígenas, quilombolas e vários outros movimentos sociais do campo e da cidade.

Com uma fala contundente, Sônia é uma das principais vozes do movimento indígena em todo o mundo e frequentemente é manchete de portais nacionais e internacionais. Está sempre presente em lutas e momentos políticos importantes para o país e já levou a pauta indígena a discussões por todo mundo, inclusive na ONU, na COP 21 e outros. Tem ainda uma ampla entrada no mundo artístico, chegando ser convidada por Alicia Keys para uma participação especial em seu show no Rock in Rio para fazer um discurso contra o governo Temer e os retrocessos de direitos dos povos originários do Brasil.

Confira a carta completa:

Falando com meus parentes e com minhas parentas indígenas

“A Luta pela Mãe-Terra é a Mãe de Todas as Lutas” – Sônia Guajajara

Sou a Sônia Bone Guajajara, mulher indígena do povo Guajajara do Maranhão / Amazônia brasileira, faço parte da coordenação executiva da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil–APIB e lutamos junt@s à todos os povos indígenas que resistem no Brasil.

O tempo em que vivemos é duro. O conservadorismo avança, os direitos trabalhistas são estraçalhados, o que resta da saúde e educação pública sofre um desmonte contínuo. As cidades são afetadas pela especulação imobiliária, baixa qualidade de vida, e violência urbana. No campo e na floresta, o agronegócio, a mineração, e o desenvolvimentismo capitalista predatório desmatam, poluem nossos rios, e atacam violentamente a vida dos nossos povos, dos pequenos agricultores, quilombolas e comunidades tradicionais. Quando nós resistimos e nos contrapomos a esse modelo, somos ameaçados, somos assassinados e até nossa voz querem silenciar.

Nós não aceitamos isso.

E quero aqui começar o ano falando sobre candidaturas indígenas em 2018. Diante de todos os ataques e retrocessos que vem perdurando durante toda a história, se faz necessário que nós indígenas com toda a nossa sabedoria, ancestralidade e articulação possamos nos adentrar nas candidaturas das próximas eleições para pleitear as vagas nos espaços institucionais ao Parlamento e ao Executivo, conforme for as nossas articulações políticos partidárias, e assim começarmos a ocupar esses espaços que até hoje, 518 anos depois , é ocupado em sua maioria por representantes muito distante ou totalmente contrário às causas populares e à diversidade desse país.

Vamos nos fortalecer enquanto povos, movimento e fortalecer nossas alianças, vamos buscar os partidos que se assemelham ou que se aproximam dos nossos princípios de lutas, sabemos que nem sempre temos oportunidades dentro dos partidos e dificilmente somos a prioridade das candidaturas ou as prioridades dos partidos quase sempre não são as nossas, mas temos que conquistar esses espaços , é possível!

Já há algum tempo venho sendo abordada por parentes indígenas e por alguns setoriais de partidos para sair candidata ao parlamento, confesso que nunca tinha me animado a entrar para esse mundo, pois sempre me realizei na luta que faço dentro do movimento indígena.

Nos últimos anos tenho acompanhado muito de perto a guerra dentro do Congresso Nacional, é de fato uma guerra sem trégua, temos ali alguns poucos aliados que nos apoiam, nos defendem, nos ajudam, mas a nossa presença ali faz muita falta. Todos os dias, somos alertados de alguma medida que tem a ver com a nossa pauta que deve ou não entrar para a ordem do dia (linguagem adotada no Congresso para votar seus projetos de lei ou Pecs), e muitas das vezes já sabemos em cima da hora o que impossibilita nossas mobilizações. Mesmo assim temos feito muito, a presença de delegações dos estados tem feito uma grande diferença, mas a nossa percepção cada dia constata que precisamos ter uns ou umas de nós ali dentro.

Com esse olhar, fui convencida que deveria aceitar a pré-candidatura a Deputada Federal e assim ajudar a mobilizar candidaturas indígenas em todos os estados e fortalecer as nossas articulações com outras lutas e outros movimentos sociais.
Começo aqui então um esclarecimento sobre o Manifesto 518 anos depois, que foi lançado pelo Setorial Ecossocialista do Partido Socialismo e Liberdade-PSOL, que não sabendo ainda da nossa pretensão ao Parlamento, tomaram a ousada iniciativa de lançar uma pré-candidatura indígena à Presidência da República, partido ao qual sou filiada desde 2011, e que após um processo de construção que envolveu a militância de várias tendências internas do partido e independentes, me convidaram para assumir a tarefa de representar a luta dos povos explorados e oprimidos do Brasil e do mundo no processo eleitoral. Inicialmente surpresos após a consulta, aos poucos fomos nos dando conta de que seria uma oportunidade histórica de ter a nossa pauta inserida nos debates.

Começamos a analisar todo o nosso histórico de luta, de movimentos, mobilizações, articulações e alianças, crescemos muito, ganhamos visibilidades e adesões, ocupamos espaços nacional e internacional, saímos na imprensa, ocupamos as redes sociais, mas nem por isso deixamos de sofrer o racismo, de ver nossas lideranças sendo assassinadas, nossas crianças, mulheres e idosos morrendo por falta de atendimento adequado, a juventude sem perspectivas, a violência aumentando, os direitos sendo retirados, os territórios ameaçados, invadidos ou sendo entregues ao agronegócio… e assim segue a saga do povo originário desconhecido e invisibilizado dentro de seu próprio país.

Nunca fugimos da luta, nossos antepassados sempre nos ensinaram que as conquistas só vêm por meio das grandes batalhas, estamos sempre na tentativa de dar conta de cumprir essa missão, e compreendendo a gravidade da situação em nosso país, a importância de nossas lutas e a riqueza deste processo de lançamento coletivo, e após amplas consultas a parentes e organizações que dividem conosco as trincheiras de luta, aceitamos esse desafio da pré-candidatura para ser discutida internamente dentro do partido.

Essa é a primeira vez que uma pré-candidatura à presidência ainda que pré, é lançada por um setorial amplo, plural e diverso do partido. Para viabilizar isso, aquele grupo de lutadores criou um site (www.518anosdepois.com) com um manifesto para assinatura que nos primeiros dias já obteve o apoio de milhares de pessoas do Brasil e de vários outros países. Esses apoios vinham dos mais diversos setores sociais: de indígenas a quilombolas, de operários industriais a sem tetos, de ambientalistas a pescadores artesanais, de feministas a estudantes, adultos, idosos, jovens e até crianças de todas as partes que pediam que eu aceitasse esse desafio.

Estamos conscientes que o partido ainda está realizando um processo de definição interna, com a participação de outros companheiros – já pré-candidatos ou que possa vir a ser apresentado- pelos quais nutro grande respeito. Acredito nos processos democráticos do partido para garantir esse debate e que a escolha final da candidatura refletirá o acúmulo do que o PSOL tem discutido em suas fileiras e as lutas que conjuntamente temos tocado contra retirada de direitos, o conservadorismo que avança sobre as minorias e os oprimidos, o setor financeiro que coloca a especulação e o lucro acima da vida, e a destruição ambiental no Brasil que se insere em um contexto global.

Coragem não me falta e nunca faltou aos nossos povos. O lançamento de uma pré-candidatura indígena à presidência do Brasil, pela primeira vez após 518 anos da invasão europeia, não é, de forma alguma, um reconhecimento da legitimidade de nosso sistema político, que está corrompido e programado para perpetuar as injustiças e o sofrimento das pessoas debaixo. Nossos sonhos não cabem nas urnas, portanto, também não se trata apenas de um chamado ao voto, mas sim uma convocatória à mobilização, à organização e à luta pela transformação para deter a destruição de nosso país e de nossa Mãe Terra. A importância de uma pré-candidatura indígena à disputa democrática pelo mais alto cargo decisório do Brasil não pode ser expressada em uma simples carta, mas tenho a convicção de que aquelas pessoas que estão se juntando a essa iniciativa conseguirão comunicar no Brasil e afora o que nossa luta representa.

Queremos avançar na verdadeira democracia, onde o povo reconhecendo os territórios e a pluralidade das nações que vivem em nosso país. Queremos que os ventos de rebeldia daquelas e daqueles que lutam façam renascer a esperança. Queremos Terra, Justiça Social, Igualdade, Liberdade e Demarcação. Essa é a Mãe de Todas as Lutas, a qual dedicamos nossas vidas por muitas gerações. É com isso em mente que agora fazemos esse chamamento coletivo para construir esse amanhã diferente.

Sônia Bone Guajajara