Imagem: Bloomberg/Jonne Roriz

O relatório Monitor 16 – De Olhos Fechados Para o Desmatamento, da Repórter Brasil, denuncia irregularidades na fiscalização da origem do gado que chega aos grandes frigoríficos no Brasil, como JBS, Marfrig e Minerva. Segundo o relatório, cerca de 17% da carne exportada para a União Europeia pode estar contaminada pelo desmatamento ilegal na Amazônia e no Cerrado. A grande cadeia de transporte do gado, podendo passar por diferentes fazendas entre as etapas de cria, recria e engorda, dificulta a fiscalização de fornecedores indiretos, mas fraudes em documentos oficiais também são usadas para burlar a fiscalização.

Em 2009 o Greenpeace lançou um relatório denunciando a compra de carne proveniente de fazendas em área desmatada ilegalmente na Amazônia. A partir dessa denúncia, as maiores redes frigoríficas do Brasil firmaram um acordo com protocolos que estão em vigor até os dias atuais, a fim de estabelecer regras para a compra de gado proveniente da Amazônia. O acordo previa mapear os fornecedores diretos em 2009 e os indiretos até 2011, excluindo da lista de fornecedores aqueles ligados ao desmatamento ilegal no bioma.

Para facilitar esse mapeamento secundário foram firmados acordos de compra individuais entre procuradores do Ministério Público Federal (MPF) e frigoríficos, estabelecidos a partir de Termos de Ajustamento de Conduta (TAC), que determinam que os frigoríficos não podem comprar gado de terras com registro de desmatamento ilegal na Amazônia após 2008, de propriedades inseridas na lista suja do trabalho escravo do governo Federal, áreas protegidas ou Unidades de Conservação (UC). O relatório destaca que cerca de 100 empresas frigoríficas já se tornaram signatárias dos TACs da Carne.

Em 2020, o MPF, juntamente com o Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora), criou um protocolo de monitoramento com uma série de critérios que todos os signatários devem seguir. Tais critérios incluem análises geoespaciais de propriedades fornecedoras, análises de listas públicas, análise de documentos, como o Cadastro Ambiental Rural (CAR) e as Guias de Transporte Animal (GTAs), e análise da produtividade do fornecedor.

Porém, a falta de transparência em relação a documentos referentes a questões fundiárias dos estados e do próprio Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) é um impasse para o monitoramento efetivo das propriedades.

“Apenas Pará e Mato Grosso ainda divulgam com alguma qualidade os embargos ambientais. Outros estados não fazem isso. Há muita informação que não está disponível de maneira operacionalizada para que o monitoramento seja executado. Temos uma deficiência de informações organizadas muito grande”, disse Lisandro Inakake de Souza, engenheiro agrônomo e coordenador da iniciativa de clima e cadeias agropecuárias do imaflora, à Repórter Brasil.

Outro impedimento são as fraudes empregadas no Cadastro Ambiental Rural (CAR) e nas GuiaS de Transporte Animal (GTAs), critérios utilizados para fiscalização da compra de gado na Amazônia.

O CAR, ferramenta utilizada para que os proprietários registrem as informações ambientais da propriedade, como a localização de Áreas de Preservação Permanente (APP), áreas de uso restrito, Reserva Legal e áreas com remanescentes de vegetação nativa, tem sido utilizado para registrar áreas ocupadas ilegalmente, muitas localizadas em Terras Indígenas (TI), ou até mesmo redesenhar o perímetro das propriedades, dividindo-as em pequenos lotes. A consulta dos CARs pela sociedade civil também é dificultada, apenas no Pará e Mato Grosso a consulta pode ser feita com o CPF ou CNPJ do proprietário, sendo que em outros estados essa apenas ocorre através do número de registro do CAR.

As GTAs, documento de controle sanitário obrigatório para o transporte do gado em qualquer etapa de criação, são essenciais para monitorar a origem do gado que chega aos frigoríficos. Não há, no entanto, pleno acesso a essas informações, com a justificativa de as guias possuírem informações sensíveis sobre os fornecedores. Além disso, estas também são passíveis de fraudes. Uma propriedade cuja área está ligada ao desmatamento ilegal ou trabalho escravo consegue emitir guias em nome de outras fazendas, de parentes ou amigos, dando a impressão de que seu gado provém de uma fazenda limpa. As fraudes, de acordo com o relatório, poderiam ser facilmente descobertas, mas a fiscalização é ineficiente.

Uma terceira forma de burlar os critérios impostos é a corrupção dentro da cadeia da carne. Em setembro de 2020, a Operação Tokens, da Polícia Federal, investigou um esquema de falsificação de certificados digitais de superintendentes, agentes e fiscais do Ibama, o que dava acesso aos dados do instituto e a oportunidade de desfazer embargos de áreas interditadas na Amazônia Legal. Na lista de suspeitos estava o ex-deputado federal e presidente da Federação das Indústrias do Estado de Goiás, Sandro Mabel (MDB), que negou as acusações. O relatório coloca uma série de investigações que foram deflagradas nesta linha, contendo pressão política em relação ao Ibama e até mesmo a participação de servidores nos esquemas de corrupção.

Para ler o relatório completo acesse o site da Repórter Brasil.