Por Alexandre Cunha

Experimentar o cinema e as imagens como extensões da linguagem humana. Fazer da lente da câmera um olho mágico que ressignifica o banal, transcendendo-o. Este é o sentimento após assistir ao documentário Nurith Aviv – Mulher com uma Câmera (2023), de Zohar Behrendt, produção integrante da seleção Clássicos do festival É Tudo Verdade 2024.

Aviv, israelense com cidadania francesa, é uma das pioneiras cineastas da Europa; inicialmente como diretora de fotografia, ela tornou-se reconhecida por sua frutífera parceria com a maravilhosa Agnès Varda, além de vários trabalhos com o diretor Amos Gitai. Por muitos, é considerada a primeira mulher a atuar como diretora de fotografia na França, cargo anteriormente exclusivo aos homens. 

Com quase 80 anos, Nurith Aviv é uma figura ímpar, meticulosa e altamente rigorosa quando o assunto é filmar. O documentário desempenha muito bem o papel de mostrar esse lado da cineasta: vemos ela numa ilha de edição, montando um de seus filmes capturados através do seu smartphone. No momento de sentar para ser entrevistada por Zohar Behrendt, Aviv dá pitacos (um tanto incisivos, mas bem-humorados) sobre o melhor enquadramento, pergunta se a luz está adequada, ensina sobre zoom e foco; coisas típicas de quem viveu anos por trás das câmeras.

Narrativamente acertado também é o uso de fotografias para recontar a história da protagonista – que ganhou sua primeira câmera fotográfica aos 4 anos de idade. A fotografia como sua primeira paixão e ponte natural para a inserção no universo cinematográfico; o documentário capta isso de forma notável. O relato de Nurith Aviv sobre sua primeira experiência cinematográfica ter sido no quarto de casa, quando via a luz dos faróis das motos que passavam na rua refletir no teto do quarto, é lindíssimo. 

Dito isto, não posso deixar de notar que o filme só perpassa, superficialmente, a problemática israelense. Aviv menciona, de modo breve, sua natureza judia e que entende a questão como algo delicado; e só. O filme, em si, não problematiza o assunto nem sob o viés histórico, muito menos sobre fatos mais recentes. A obra prefere se deter à dualidade identitária (israelense e francesa) da sua protagonista, fazendo reflexões válidas sobre pertencimento e a ideia de se dividir entre dois países. 

Ainda assim, o filme é um importante documento para gerações futuras conhecerem o legado de Nurith Aviv. Por trás das câmeras, ela fez – e continua fazendo – sua visão e voz serem legitimadas. O filme volta a ser exibido no último dia do festival É Tudo Verdade, 14 de abril (domingo), no CineSesc 24 de Maio, às 13h.

Texto produzido em cobertura colaborativa da Cine NINJA – Festival É Tudo Verdade 2024

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