As terras indígenas foram a única categoria fundiária que não sofreram aumento do desmatamento nos últimos três anos, porém assassinatos de defensores da natureza saltaram 75%

Imagem de Kamikia Kisedje revela contraste: TI preserva floresta no Médio Xingu, em Mato Grosso

Por Mauro Utida

Os povos indígenas são considerados grandes guardiões de 80% da biodiversidade de todo o planeta, apesar de representarem apenas 5% da população. No Brasil, eles foram responsáveis por manter a preservação da maior cobertura vegetal nos últimos três anos, enquanto houve crescimento do desmatamento em todas outras categorias fundiárias do país.

Em três anos do governo de Jair Bolsonaro (PL), a área desmatada no país alcançou 42 mil km², quase a área do Estado do Rio de Janeiro de vegetação nativa. Apenas no ano passado, o Brasil perdeu 16.557 km2 (1.655.782 ha) de cobertura de vegetação em todos seus biomas, segundo o Relatório Anual de Desmatamento no Brasil, do MapBiomas. Trata-se de um aumento de 20% em relação ao ano anterior.

No período da gestão de Jair Bolsonaro à frente da presidência da República, entre 2019 e 2021, apenas 0,9% dos imóveis rurais concentram 77% da área desmatada no país em 2021, o que representa poucos atores somando gigantescas áreas de desmatamento. A atividade agropecuária respondeu por 97,8% desta área desmatada do país, o restante dos territórios sofreu desmatamento por garimpo, mineração, expansão urbana, entre outros. Deste total, apenas 1% das ações de desmate é legal.

Na comparação com o modelo predatório do agronegócio, o modo de vida dos povos indígenas reforça a importância para a preservação ambiental e o combate ao aquecimento global. As informações vão de encontro com o relatório Povos indígenas e comunidades tradicionais e a governança florestal 2021, da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) e do Fundo para o Desenvolvimento dos Povos Indígenas da América Latina e do Caribe (FILAC), onde destaca que “melhorar a segurança da posse desses territórios é uma maneira eficiente e econômica de reduzir as emissões de carbono”.

No Brasil 69,5% de toda a área desmatada em 2021 estavam em propriedades privadas, incluindo 14,1% em assentamentos rurais. Outros 10,6% recaíram sobre glebas públicas, sendo 9,3% em terras públicas não destinadas. O desmatamento em áreas protegidas respondeu por 5,3% do total, sendo 1,7% nas Terras Indígenas e 3,6% nas Unidades de Conservação.

Porém, este papel de “guardiões da floresta” não tem contado com o apoio do Estado, que ao ao invés de proteger tem fragilizado instituições de proteção ambiental como Ibama e ICMBio e promovendo um desmonte ambiental preocupante, criando um cenário hostil para organizações da sociedade civil e ativistas do meio ambiente. O assassinato do jornalista Dom Phillips e do indigenista Bruno Pereira, em junho, foi um dos mais recentes exemplos que mostram a omissão estatal.

Ameaças legislativas

A luta pela preservação das terras indígenas tem criado tensões cada vez maiores. Além da violência causada por empresários, grileiros, garimpeiros, fazendeiros, mineradoras e madeireiros, os povos indígenas precisam combater o Congresso Nacional que ameaça seus territórios com pautas legislativas inconstitucionais, como o PL 490/2007, conhecido como “Marco Temporal”, que pode impedi-los de obterem o reconhecimento legal de suas terras tradicionais se não estivessem estabelecidos nelas antes da data de promulgação da Constituição de 1988.

Além do PL 490, há também o Projeto de Lei 191/20, de autoria de Bolsonaro, que regulamenta a exploração de recursos minerais, hídricos e orgânicos em reservas indígenas. O projeto é conhecido como a PL da Mineração. O “pacote da destruição” ainda inclui PLs da Grilagem e do Licenciamento Ambiental, além do Pacote do Veneno.

Para a coordenadora da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Kerexu Yxapyry, a luta dos povos indígenas é pela preservação de direitos que estão sendo violados por projetos antiambientais de Bolsonaro. “Estamos em um momento crítico pela preservação da terra e do nosso modo de vida. Hoje temos que proteger o meio ambiente e quem protege a natureza”, afirmou a liderança indígena da terra Morro dos Cavalos, de Santa Catarina.

Campanha contra violência no campo

Os assassinatos em conflitos no campo saltaram de um total de 20 em 2020, para 35 em 2021, representando um aumento de 75%. Entre as vítimas estão lideranças que atuam na defesa dos direitos humanos e da natureza. Estes dados são apenas os que tiveram visibilidade nos dados oficiais ou na mídia, coletados pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), que faz parte de uma frente formada por 33 organizações de povos do campo, das águas e das florestas, que se uniram em uma campanha contra a violência no campo. “Essas situações se acirram a medida em que as políticas públicas e de fiscalização são desmontadas”.

No período de 2016 a 2021, houve 10.384 conflitos no campo, atingindo 5,5 milhões de pessoas, incluindo crianças, jovens e mulheres. “O número é 54% maior que o período anterior entre 2011 e 2015, confirmando que o impeachment da presidenta Dilma Rousseff foi um golpe articulado entre setores do Estado e do capital, da mídia hegemônica e em particular ligada ao agronegócio”, denuncia a CPT e as organizações que convocam toda sociedade para uma campanha permanente contra a violência no campo, em defesa dos territórios e da vida.

É importante ressaltar que tanto o aumento da violência como o de número de assassinatos se deu na região da Amazônia Legal, evidenciando a violência inerente ao processo de expansão do capital.

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Amazônia ameaçada

Os números do Relatório Anual de Desmatamento no Brasil, do MapBiomas, não deixam dúvidas de que a Amazônia foi a grande frente de supressão da vegetação nativa do Brasil nos últimos três anos. Dados mostram que esse bioma concentrou 59% da área desmatada. Em 2021, foram 16.557 km² de área desmatada, o número é 20% maior do que o ano anterior. O número equivale a 1,9 hectare por minuto, ou 18 árvores por segundo.

Com este número altíssimo, o Amazonas pulou de quarto para o segundo Estado que mais desmatou em 2021, perdendo apenas para o Pará, que concentrou 24% do desmatamento do país no ano passado, seguido por Mato Grosso (11,5%), Maranhão (10%) e Bahia (9%). Juntos, os cinco estados respondem por 67% da área desmatada no Brasil em 2021.

A Amazônia também foi o biomas mais atingido pelo desmatamento, representando 59% do total desmatado no país, seguido pelo Cerrado (30%), Caatinga (7%), Mata Atlântica (1,8%), Pantanal (1,7%) e Pampa (0,1%).

O relatório da MapBiomas denuncia que embargos e autuações feitos pelo Ibama e ICMBio até maio de 2022 atingiram apenas 2,4% do desmatamento e 10,5% da área desmatada identificada nos últimos três anos.

Agentes ​​contra as mudanças climáticas

“Quase metade (45%) das florestas intactas da bacia amazônica é encontrada em territórios indígenas”, informa Myrna Cunningham, presidente do Fundo para o Desenvolvimento dos Povos Indígenas da América Latina e do Caribe (FILAC). “A evidência de seu papel vital na proteção da floresta é cristalina: enquanto a área de floresta intacta diminuiu apenas 4,9% entre 2000 e 2016 nas áreas indígenas da região, nas áreas não indígenas diminuiu 11,2%. Isso deixa claro porque sua voz e visão devem ser levadas em consideração em todas as iniciativas e estruturas globais relacionadas às mudanças climáticas, biodiversidade e silvicultura, entre muitos outros temas”.

Conforme relatório da ONU, os povos indígenas e comunidades tradicionais participam da governança comunal de 320 a 380 milhões de hectares de florestas na região Amazônia boliviana, brasileira e colombiana, que armazenam cerca de 34 bilhões de toneladas métricas de carbono. Isto é mais do que todas as florestas da Indonésia ou da República Democrática do Congo.

Enquanto os territórios indígenas na bacia amazônica perderam menos de 0,3% do carbono em suas florestas entre 2003 e 2016, as áreas protegidas não indígenas perderam 0,6% e outras áreas que não eram territórios indígenas ou áreas protegidas perderam 3,6%. Como resultado, apesar de os territórios indígenas cobrirem 28% da bacia amazônica, eles geraram apenas 2,6% das emissões brutas de carbono da região.

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