Um estudo da Rede de Observatórios da Segurança revelou que 4.219 mortes foram causadas por intervenção policial em oito estados brasileiros durante 2022. 65,7% dessas vítimas eram consideradas negras pelas autoridades policiais, conforme o estudo “Pele Alvo: a Bala não Erra o Negro”, realizado pelo Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (Cesec).

A pesquisa, baseada em estatísticas fornecidas pelas polícias do Rio de Janeiro, São Paulo, Bahia, Pernambuco, Ceará, Piauí, Maranhão e Pará, evidencia que, quando considerados apenas os casos com cor/raça informada (3.171), a proporção de negros sobe para alarmantes 87,4%. O Maranhão é o único estado que não forneceu informações sobre cor/raça, enquanto Ceará e Pará apresentam grande percentual de mortos sem identificação (69,7% e 66,2%, respectivamente).

A Bahia surge como o estado mais letal em 2022, registrando 1.465 mortes, sendo 94,8% das vítimas negras, muito além da proporção na população estadual (80,8%). Os dados revelam um padrão idêntico em todos os estados analisados, como Pará (93,9%), Pernambuco (89,7%), Rio de Janeiro (87%), Piauí (88,2%), Ceará (80,43%) e São Paulo (63,9%).

O coordenador do Cesec, Pablo Nunes, destaca o grave problema do racismo estrutural, apontando que a falta de transparência em estados como Maranhão, Ceará e Pará evidencia a negligência em tratar o problema com a seriedade necessária. Nunes enfatiza que, sem dados precisos, políticas públicas não podem ser eficientemente desenvolvidas.

Diante desse cenário, a pesquisa aponta para uma crescente letalidade policial contra pessoas negras, evidenciando uma estrutura violenta e racista na atuação dos agentes de segurança. Silvia Ramos, pesquisadora da rede, destaca a necessidade de enxergar o fenômeno como uma questão política e social, ressaltando que as mortes em ação prejudicam também as próprias corporações policiais.

ONU pede ação contra violência policial

Em uma carta inédita de 48 páginas enviada ao governo brasileiro, e publicada pela NINJA, diversos mecanismos da Organizações das Nações Unidas (ONU) se uniram para cobrar respostas das autoridades brasileiras para 20 anos de violência policial, principalmente contra a população negra.

Nesses 20 anos, a entidade aponta que quer explicações sobre 37 dos indivíduos que foram mortos no estado do Rio de Janeiro, 18 no estado de São Paulo, 9 no estado do Ceará, dois no estado do Espírito Santo, dois no Distrito Federal, e um no estado de Goiás.

O documento afirma que os casos demonstram “a natureza sistêmica e sustentada do uso excessivo e letal da força pelas forças de segurança brasileiras”, enquanto outras cartas enviadas nos últimos meses alertam que a violência policial tem aumentado desde o início do governo de Jair Bolsonaro.

A cobrança é assinada pela relatoria da ONU sobre execuções sumárias, pelo Grupo de Trabalho de Especialistas sobre Pessoas de Descendência Africana, pelo Grupo de Trabalho da ONU sobre Desaparecimentos Forçados e pelo Grupo de Trabalho da ONU sobre a Discriminação contra Mulheres.

O documento ainda amplia a pressão sobre o ex-presidente Jair Bolsonaro, que tem trocado acusações com a ONU desde que tomou posse, justamente por conta da violência policial.

A ONU também alerta sobre o fato de que tais mortes ocorreram de forma desproporcional em relação à população negra. Entre 2008 e 2018, as mortes dessa população aumentaram em 11% no país, enquanto os assassinatos do restante do país caíram 12%. Em 2020, segundo a entidade, 78% das vítimas da polícia no país eram negras.

De acordo com a carta da ONU, tais dados “ilustram os padrões persistentes de desigualdade racial associados com a ação letal da polícia”. Em 2020, ainda de acordo com o documento, o Brasil registrou o maior número de mortes em intervenções policiais desde 2013, com 6,4 mil vítimas. 17,6 mortes por dia, em média.

Para a entidade, o estado brasileiro estaria cometendo uma violação do direito à vida e à segurança, além de ferindo tratados internacionais dos quais faz parte.