Após intensa mobilização convocada por artistas, fandoms e feministas, o Projeto de Lei 1904/2024, que criminaliza o acesso ao aborto seguro às vítimas de estupro, inclusive menores de idade, teve seu requerimento de votação adiado na tarde de terça (11). No entanto, bolsonaristas articulam a votação em urgência nesta quarta-feira (12).

O Projeto é de autoria do deputado bolsonarista Sóstenes Cavalcante (PL/RJ). Além disso, a proposta impede o aborto mesmo em casos de estupro se o feto for considerado viável.

Dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública mostram que, em 2022, 74.930 pessoas foram estupradas no Brasil, sendo 61,4% delas menores de 13 anos. A campanha alerta que, se aprovado, o PL punirá mulheres estupradas e profissionais de saúde com até 20 anos de prisão, enquanto a pena máxima para o crime de estupro é de 10 anos.

Artistas como Dada Coelho, Nathalia Dill, Titi Muller, Samara Felippo, Maeve Jinkings, Luana Piovani e outras mulheres ativistas também participam da pressão para que a Câmara enterre a medida.

Diversas organizações e movimentos sociais têm se posicionado fortemente contra o PL, destacando que ele representa um retrocesso nos direitos das mulheres, especialmente aquelas que são vítimas de violência sexual. A proposta tem sido criticada por ser vista como uma violência adicional contra mulheres que já sofrem com a gravidez resultante de estupro, obrigando-as a levar a gestação até o fim sob risco de serem criminalizadas​.

A mobilização contra o PL inclui campanhas nas redes sociais com a hashtag #criancaneoemae, petições, e ações de sensibilização junto a deputados para que votem contra o projeto. A argumentação central dos opositores é que o PL desrespeita os direitos reprodutivos e a dignidade das mulheres, além de ir contra decisões judiciais que já garantiram a possibilidade de aborto em casos específicos.

Os participantes da campanha são incentivados a enviar e-mails ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e a vários deputados para pressioná-los a votar contra o PL. Clique aqui e acesse.

https://twitter.com/beyonceaccess/status/1800554718076539218

Problemas com o PL 1904/24

Desde 1940, o Código Penal garante às brasileiras o direito de interromper a gestação em casos de estupro e risco à vida. Em 2012, o STF estendeu essa permissão aos casos de anencefalia fetal. O PL 1904/24 limita um direito garantido há décadas, colocando em risco principalmente as pessoas mais vulneráveis.

Anualmente, 25 mil crianças de até 14 anos têm filhos no país, segundo dados do Sistema de Nascidos Vivos. Por lei, relações sexuais com menores de 14 anos são consideradas estupro de vulnerável, garantindo a essas crianças o direito de interromper a gestação legalmente. No entanto, entre 2015 e 2022, foram realizados, em média, apenas 1.800 abortamentos legais por ano no Brasil, conforme levantamento da Revista Azmina. “Muitas vezes, a situação de abuso demora a ser descoberta e a gravidez identificada, fazendo com que demorem mais a chegar nos serviços de aborto legal ou nem cheguem a eles”, explica Laura Molinari, coordenadora da campanha Nem Presa Nem Morta.

Somente 3% dos municípios brasileiros contam com um serviço de aborto legal. Além das crianças, muitas mulheres precisam viajar para acessar esse direito, enfrentando falta de recursos e estrutura. Aquelas que são mães ou cuidadoras precisam se organizar para essas viagens, o que explica porque muitas vezes a busca pelo direito ao aborto legal ocorre após 22 semanas de gestação.

Contexto político

O requerimento de urgência para o PL 1904/24 ocorre em um cenário de complexas disputas políticas, onde os direitos das mulheres, crianças e pessoas gestantes são usados como moeda de troca. Em 17 de maio, uma decisão liminar do Ministro Alexandre de Moraes, do STF, suspendeu a Resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) que tentava coibir o aborto acima de 22 semanas. No mesmo dia, o PL 1904/24 foi protocolado pelo deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ) na Câmara Federal. No início de junho, o Brasil foi cobrado pelo Comitê sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres (CEDAW) da ONU para descriminalizar e legalizar o aborto no país. A cidadania precisa estar alerta e engajada diante dessa disputa contínua.

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