Por Lilianna Bernartt

Moara Passoni é uma cineasta de mão cheia. Diretora, roteirista, produtora, ela atua em diversas frentes, aquecendo e impulsionando nosso cinema nacional. Depois de diversas produções, Moara chega pela primeira vez ao Festival de Veneza, com o curta metragem “Minha mãe é uma Vaca”, escrito e dirigido por ela.

Ambientado em um Pantanal em chamas, o filme segue Mia (Luísa Bastos), que é deixada pela mãe, cuja vida está em apuros, num ônibus rumo ao Pantanal. Lá, ela vai passar uma temporada de descobertas e transformações no sítio da tia. Deslocada naquela realidade tão distinta da cidade grande, com o agravante de queimadas cada vez mais próximas à fazenda, ela forma um laço com uma vaca que está para ser abatida, enquanto descobre as mudanças de seu próprio corpo na puberdade. Aqui, a vaca e a onça ocupam lugares míticos na vida de uma garota em intensa transição, transmutação.

Em entrevista, Moara contou que a ideia inicial do filme veio de uma imagem de sua infância, quando passou um período na Fazenda de sua família, no Pantanal. Nesta oportunidade, teve contato com animais de abate e se recorda de sua conexão com uma vaca que estava morrendo. O filme participa da Mostra Competitiva Orizzonti, concorrendo com outras 12 produções, e terá três exibições no festival.

Além de seu curta metragem, outra produção que conta com a participação de Moara também estreia no Festival de Veneza, fora da competição. “Apocalipse nos Trópicos”, novo filme da cineasta Petra Costa, investiga as relações entre religião e poder no Brasil. Moara colaborou no roteiro e também dirigiu algumas cenas da produção. Aliás, sua parceria com Petra Costa vem de anos. Além de serem grandes amigas, Moara foi produtora associada de “Elena”, colaborou no roteiro de “Olmo e a gaivota”, e foi corroteirista e produtora associada de “Democracia em vertigem”, documentário que concorreu ao Oscar da categoria.

“Minha afinidade profissional e afetiva com a Petra vem de longa data. Sinto que compartilhamos a experiência e a proximidade com a política na intimidade de casa. E essa experiência nos leva o tempo todo a nos perguntarmos como história e biografia se cruzam”, conta Moara.

Quando você conversa com Moara, é transparente a sua sensibilidade ao ambiente e às pessoas que a cercam. E ela transpõe suas experiências para as telas com a mesma sensibilidade e afeto com que fala de suas professoras, colaboradoras e mulheres de referência.

Um belo exemplo disso é o seu primeiro e premiadíssimo longa metragem: “Êxtase”. O filme mergulha na realidade de uma menina com anorexia. Moara parte da intimidade de sua história pessoal – ela viveu isso dos 11 aos 18 anos – para tratar de forma acolhedora, honesta e sensível de um tema que ainda é cercado de mitos e preconceitos.

Outro projeto que parte de seu íntimo é o longa metragem “Custo de Vida”. Ainda em fase de roteirização, o filme aborda a trajetória de mulheres que criaram o Movimento Custo de Vida. Em 1973, foram as donas de casa as primeiras a se rebelarem contra o contraste entre o discurso do milagre econômico imposto pela ditadura e o preço da comida nos mercados. Irma Passoni, sua mãe, foi uma delas.

“Minha mãe, para mim, é uma força da natureza. Dessas que não conseguimos parar. E provavelmente por seu amor ao outro, à dignidade humana e à coisa pública. E por sua fé, que muitas vezes lhe dá capacidade de enxergar possibilidades quando elas ainda não são tão evidentes. Sua capacidade de realização me inspira.”

Moara ressalta ainda que sua inspiração partiu da força motora dessas mulheres que foram atravessadas pela política e, a partir de um ato único, conseguiram colaborar para a mudança de uma sociedade.

Outro exemplo desse movimento, do micro para o macro, é o projeto “O Futuro é ancestral”, em pós-produção, que tem ligação direta com seus muitos anos de ativismo voluntário na área ambiental. Ela coescreveu, com a atual deputada federal Célia Xakriabá, o roteiro do longa documental sobre a criação musical do DJ Alok em conjunto com comunidades indígenas. Moara exalta a importância da convivência e a absorção e descoberta de novas possibilidades, sejam existenciais, sejam de formas de produção. Aliás, talvez essas duas caminhem unidas, movendo a parte criativa da diretora.

“Acho que todos os meus projetos se ligam de alguma forma. De um lado, claro, como cineasta, está a pergunta sobre nossa condição humana e como o amor pode ser uma das forças mais disruptivas e criativas, e permitir que a gente se mova. Por outro, entendo que meu cinema terá sempre a pergunta sobre como, em nossa intimidade, somos perpassados pela política, pelas forças políticas. Mesmo que ignoremos sua existência. Além disso, é sempre para o corpo que olho, o corpo como alegria e explosão de sensações e o corpo como resistência, onde o sensual/sensorial encontra o político”.

“Por fim, em meu trabalho me pergunto constantemente como é que pessoas, nas margens da sociedade, estão sempre reinventando a política. Minhas protagonistas, em sua grande maioria mulheres, normalmente habitam a margem. E claro, a questão ambiental me parece, hoje, a mais urgente de todas, e que perpassa todas as outras”, resume Moara.

São muitos projetos e em todos a cineasta mergulha de forma impressionante em todas as fases de criação. Como resultado, temos histórias com identidade, alma, sensibilidade e respeito, que provocam e se utilizam da subjetividade do espectador. É um cinema participativo, que pega o espectador pela mão e o convida a embarcar na proposta, sempre, contudo, respeitando o que ele tem a acrescentar.

Conversamos com Moara sobre esses e outros projetos (pelo menos os que ela podia comentar). Clique abaixo e venha conhecer um pouco sobre essa mulher, cineasta, que vem apresentando de forma muito criativa e sensorial, suas histórias para o brasil e para o mundo.