“Por quanto tempo ainda veremos um idiota ocupar a cadeira de Rio Branco, Afonso Arinos e San Tiago Dantas?” Essa pergunta, lançada ao ar em editorial da Rede Bandeirantes de Televisão, ainda ecoa fortemente pelo Planalto Central. Mas o chanceler Ernesto Araújo publicou um artigo, nesta semana, com o intuito de denunciar o “comunavírus”. O “idiota” continua sentado naquela cadeira e, apesar da situação delicada do país, que demanda parcerias e esforços conjuntos para vencer a crise, ele se dá ao luxo de especular, de forma delirante e gratuita, sobre uma fantasmagórica conspiração planetária, endossando teses ofensivas à China e à Organização Mundial de Saúde (OMS).

Antes fosse só o artigo… Ao mesmo tempo, o Brasil negou-se a endossar uma resolução da Assembleia Geral da ONU, aprovada por 179 países, propondo uma ação global para acelerar o desenvolvimento, a produção e o acesso a remédios, vacinas e equipamentos médicos necessários para enfrentar a pandemia do coronavírus. O não endosso do Brasil e de outros 13 países, porém, não representou uma objeção, o que derrubaria a resolução, que foi aprovada e está em vigor. Trata-se de uma posição de má vontade envergonhada.

No seu artigo, intitulado “Chegou o Comunavírus”, Araújo recorre a Slavoj Zizek, um marxista que enxerga na atuação da OMS frente à pandemia um sinal do que poderia ser uma governança supranacional. Zizek vê aí a preparação de uma era neocomunista, o que o chanceler acredita ser uma conspiração orientada para um totalitarismo planetário, supressor da soberania dos estados nacionais, dominado por comunistas antiprivatistas, e por aí vai. Para Araújo, o texto de Zizek é a prova da sua teoria conspiratória, e é este, na verdade, quem conduz o seu raciocínio (?), como um alter ego negativo, como um espelho invertido.

No final do artigo, o chanceler assume sua loucura: “a pretexto da pandemia, o novo comunismo trata de construir um mundo sem nações, sem liberdade, sem espírito, dirigido por uma agência central de ‘solidariedade’ encarregada de vigiar e punir. Um estado de exceção global permanente, transformando o mundo num grande campo de concentração. Diante disso precisamos lutar pela saúde do corpo e pela saúde do espírito humano, contra o Coronavírus mas também contra o Comunavírus, que tenta aproveitar a oportunidade destrutiva aberta pelo primeiro, um parasita do parasita”.

Araújo não tem noção da postura que lhe cabe. Qualquer pessoa pode pensar e dizer o que quiser – e o Zizek está na dele – mas de um chanceler espera-se que fale pelo país e sobre as necessidades e interesses do país, e não sobre a suposta ideologia do coronavírus ou qualquer outra idiotice do gênero. Ele ridiculariza e destrói a diplomacia brasileira.

Não vou perguntar “por quanto tempo?”, nem me dirigir a Jair Bolsonaro, que até aparenta estar mais doente que o próprio ministro. Pergunto aos ruralistas e aos generais que ainda apoiam o presidente: qual é o tamanho do dano político, sanitário e econômico ao país e ao povo que vocês estão dispostos a endossar mantendo esse hospício ativo?