O Brasil já vinha de estagnação econômica e decadência política prolongadas quando se percebeu ameaçado pela aproximação da pandemia do coronavírus. Com muitos milhões de pessoas abaixo da linha da pobreza e desempregados, o sistema de saúde sucateado e a maior concentração de renda do mundo, o país, vulnerável, foi surpreendido pelo tsunami sem condições de evitar um desastre.

Mas é política a pior das circunstâncias. Mais do que dividido, o país está politicamente dilacerado e reage como um esquizofrênico diante da poderosa ameaça. Até seria uma oportunidade para se juntar esforços e atravessar a tempestade, mas o presidente da República, em vez de criar um clima de superação, bate de frente com prefeitos e governadores.

Bolsonaro pressionou André Mendonça, o advogado-Geral da União, a promover a desunião. A exemplo do chefe, Mendonça valeu-se das redes sociais para ameaçar, com processos judiciais, governadores e prefeitos que adotarem medidas de combate à epidemia consideradas excessivas pelo governo federal.

A questão das competências no âmbito federativo já havia chegado ao Supremo Tribunal Federal (STF). Em decisão  liminar, o ministro Alexandre de Moraes afirmou que Jair Bolsonaro pode adotar medidas para dar uniformidade às políticas de combate à Covid-19, intensificando a quarentena ou isolamento. Porém o ministro proibiu-o de tomar medidas que atenuem regras sanitárias ou revoguem decisões estaduais e municipais em relação à pandemia.

Se o problema fosse salvar vidas, o presidente, o advogado-geral e o governo todo teriam saído atrás de fabricar ou importar os equipamentos necessários aos primeiros sinais da pandemia. Mas o presidente preferiu subestimá-la, enquanto seus filhos e ministros fustigavam a China, principal fornecedora desses produtos. Imprevidente, quando o governo federal saiu atrás, chegou atrás: já não havia estoque disponível. Tentou, então, piratear judicialmente as importações dos estados e municípios.

A ameaça do Dr. Mendonça é pior ainda. Destina-se veladamente a João Dória, governador de São Paulo que, diante do agravamento da epidemia no estado, estuda penas mais rígidas, até de detenção, para quem descumprir regras de isolamento e colocar em risco a saúde de todos.

É que o presidente está em campanha pública contra medidas recomendadas pela Organização Mundial de Saúde (OMS), adotadas pelo próprio governo e apoiadas pela maioria da população. Tem ido todo dia às ruas, provoca aglomerações, abraça pessoas e as incita contra as políticas de isolamento. Em defesa da sua acintosa irresponsabilidade, o presidente alega o seu direito de ir e vir.

Sabem o que o Dr. Mendonça alega para querer impedir medidas restritivas de governadores e prefeitos visando conter a epidemia? O direito individual de ir e vir, contra o direito de todos à vida. E sabem porque? Se fossem aplicadas ao Distrito Federal, Bolsonaro estaria preso. Bingo!!!

Curiosamente, os ministros Sérgio Moro (Justiça) e Luís Henrique Mandetta (Saúde), já haviam editado, em 27/03, a portaria interministerial nº 5, que está em vigor e vinculada à Lei 13.979, de 6 de fevereiro de 2020. Esta remete às sanções penais previstas nos artigos 268 e 330 do decreto-lei 2.848/1940, que trata da “infração de determinação do poder público destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa”. O seu eventual descumprimento implica na responsabilização civil, administrativa e penal dos agentes infratores. E aí, hein, Dr.?

Bolsonaro cogita indicar um evangélico para uma futura vaga no STF. Mendonça considera-se evangélico, mas sabe que não se pode servir a dois senhores, sabe qual deles têm na mão a caneta da indicação e sabe que o evangelho dele não é o da Vida. Mendonça deriva de Bolsonaro, que chegou à conclusão que o caminho menos pior para a sua reeleição é tentar reduzir a depressão na economia multiplicando o número de mortos.