“No próximo dia 30, de verde e amarelo, vamos votar. E, mais do que isso, vamos permanecer na região da seção eleitoral até a apuração do resultado. Tenho certeza que o resultado será aquele que todos nós esperamos, até porque o outro lado não consegue reunir ninguém. Todos nós discordamos. Como pode aquele cara ter tantos votos se o povo não está ao lado do mesmo?”

Bolsonaro disse isso, na terça-feira (11), num evento de campanha em Pelotas (RS). Ele “discorda” do resultado do primeiro turno das eleições, em que Lula obteve seis milhões de votos a mais. O motivo da discordância seria porque seu adversário “não consegue reunir ninguém”.

Na verdade, “todos nós” sabemos que a campanha do Lula tem promovido grandes concentrações populares, mesmo em estados, como Santa Catarina, em que Bolsonaro venceu no primeiro turno. Ainda que assim não fosse, milhares de pessoas nas ruas não substituem os 156 milhões de eleitores aptos a votar, ou os 123 milhões que efetivamente votaram em 2/10.

Relatório censurado

O processo de votação e de apuração operado pela Justiça Eleitoral foi acompanhado pelos partidos e por diversas instituições. Com uma postura negacionista, o Ministério da Defesa, organizou um sistema próprio de checagem dos resultados que, assim como a checagem oficial, não constatou qualquer irregularidade.

Na segunda-feira (10), Bolsonaro foi ao ministério para tomar conhecimento, com exclusividade, do relatório elaborado pelos militares responsáveis pela checagem paralela. Como as conclusões não o agradaram, ele – simplesmente – vedou a sua divulgação.

Diante da notícia da censura do relatório, o presidente do Tribunal de Contas da União (TCU), Bruno Dantas, determinou que a pasta da Defesa apresente cópia do documento, que, assim como a própria checagem, foi financiado com recursos públicos. Assim como é de interesse público o seu conteúdo, que não envolve assunto de natureza sigilosa e que justifique a sua censura.

Afronta à lei

Está mais do que evidente para “todos nós” que Bolsonaro sabe, melhor do que “todos nós”, da exatidão dos resultados do primeiro turno. A sua fala em Pelotas foi uma farsa, para afrontar a lei eleitoral, que encerrou, na véspera, a campanha eleitoral e proíbe quaisquer manifestações coletivas no dia das eleições. Os eleitores podem comparecer às urnas com camisetas ou adesivos dos seus candidatos, mas não podem abordar os demais.

O espírito da lei é proteger a liberdade e a privacidade de cada eleitor, para que todos possam exercer o seu ato de consciência cívica sem constrangimentos. A lei determina a prisão de quem faz boca de urna, por exemplo. Ninguém pode promover concentrações de eleitores nos locais de votação. Muito menos, o presidente.

A incitação que Bolsonaro fez aos seus eleitores – “vamos permanecer na região da seção eleitoral até a apuração do resultado” – é uma confissão de que pretende, sim, constranger a liberdade dos outros eleitores. A sua conclamação é criminosa e contém um agravante adicional: ao se estender à apuração, põe em risco a segurança dos locais de votação, dos mesários e demais cidadãos convocados pela Justiça Eleitoral para realizar as eleições e apurar os resultados.

Tudo isso se deve ao fato de que Bolsonaro não tem nenhuma “certeza de que o resultado será aquele que todos nós esperamos” e que pretende contestar, na marra, um resultado que ele espera que lhe seja desfavorável no segundo turno. Ele ameaça uma provável decisão democrática do povo brasileiro.