É realmente para se abençoar o início da vacinação dos brasileiros contra o Covid-19! Apesar de, segundo a imprensa, cerca de 50 países já terem iniciado a imunização da população, não há um minuto a perder quando mil pessoas morrem por dia. É clara a (falta de) responsabilidade pela dimensão que a catástrofe sanitária atingiu entre nós, mas a prioridade, agora, é atenuar o desespero da morte e da miséria.

Dados compilados pela Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais (Arpen-Brasil), que representa os cartórios de registros, mostram que, em 2020, morreram no Brasil 1,4 milhão de pessoas, 8,6% a mais que em 2019. Essa estatística fria esconde um assalto inédito do sofrimento sobre o nosso povo.

Por isso mesmo temos muito a comemorar com o início da vacinação. Apesar das perdas evitáveis, o negacionismo e a necropolítica estão sendo derrotados por uma aliança entre a ciência e o capital. Nunca antes na história da humanidade, uma vacina foi desenvolvida em tão pouco tempo – no mesmo ano – em relação ao aparecimento de um novo vírus. A virulência da Covid-19, com sua pródiga propagação ceifando mais de dois milhões de vidas humanas e derrubando a economia mundial, impôs essa aliança como uma questão de sobrevivência.

Bilhões, em várias moedas, foram investidos por governos e empresas para mobilizar esforços coordenados de milhares de cientistas para desenvolver dezenas de vacinas, com tecnologias diversas, em tempo recorde. A urgência sanitária e a brusca retração da economia obrigaram uma inédita convergência de interesses. Além do viver, que é o aspecto mais fundamental, há muito dinheiro para deixar de se perder com a retomada de várias atividades, assim como para se ganhar com a produção e a venda de bilhões de vacinas e de outros insumos.

A produção e fornecimento de vacinas poderiam ter sido acelerados e democratizados se uma proposta liderada pela Índia de suspender as patentes sobre esse tipo de insumo durante a pandemia tivesse sido levada à sério na Organização Mundial do Comércio (OMC). A ideia foi duramente condenada por alguns países ricos, que abrigam alguns dos principais laboratórios. O governo brasileiro preferiu apoiar essas nações, abandonando a sua tradição diplomática pela quebra de patentes, como foi na adoção dos medicamentos genéricos.

Mas a esperança paga qualquer preço. Esperança de que a doença arrefeça e que os casos mais graves sejam evitados. Esperança de alimento, remédio e abrigo para os que foram atirados na miséria, de trabalho para os adultos e de oportunidades para os mais jovens. Esperança de sonhar e realizar novos projetos, e de apressar o fim do obscurantismo reinante. Esperança de voltar a abraçar e a beijar livremente os que amamos, de ver de novo o brilhar nos olhos das crianças!

Esperança e orgulho! Em perspectiva, a vacina é a vitória da ciência sobre a doença e a ignorância. O orgulho é devido ao saber humano. Não existe vacina chinesa ou russa. O saber – já faz muito tempo – não tem fronteiras, ainda que governantes medíocres tentem impô-las. Se tivesse havido um mínimo de interesse e estímulo, haveria vacinas brasileiras, pois temos cientistas e instituições de pesquisa capazes de desenvolvê-las, valendo-se de conhecimentos de todo e qualquer lugar e servindo para imunizar todas as gentes.

Atraso cobra vidas

Porém para que seja efetiva, a esperança precisa ser equilibrada. O atraso no início da vacinação continua cobrando vidas. Ainda não há quantidade suficiente de vacinas para atender, sequer, a lista de prioridades, que, assim, fica sendo uma lista de exclusões. Autoridades inescrupulosas trombam-se para manipular o processo de vacinação em interesse próprio ou de grupos específicos. A lentidão do processo prolonga a epidemia e abre espaço para a venda de vacinas, subvertendo as prioridades. Ainda vamos lutar bastante para que a esperança seja realizada.

A convergência entre o capital e a ciência pode contribuir para facilitar a realização da esperança. Apesar do obscurantismo que apodrece a alma da elite brasileira, interesses óbvios e legítimos levaram até a Confederação Nacional da Indústria (CNI) a manifestar apoio à vacinação massiva. Fiocruz, Butantã e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), apesar das pressões em contrário e, também, de pisadas na bola, estão impondo, pouco a pouco, uma histórica derrota ao negacionismo.

Será um longo e doloroso caminho. A disputa pela vacina e outros insumos é planetária, o Brasil não tem governo, está internacionalmente isolado e acumulou atritos gratuitos com China, Índia, EUA e Europa, os principais provedores. Vamos pagar o preço do desgoverno, do isolamento e da imprevidência.

Mas já há luz no alto do poço, a esperança está de volta e a maior parte das nossas gentes já se deu conta de que podemos superar a pandemia e o desgoverno para construir as bases de uma sociedade mais fraterna. Vamos exigir e garantir vacinas para todos!

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