Por Lilianna Bernartt

O longa-metragem “Manas” marca a estreia da diretora Marianna Brennand na ficção. E ela acontece em grande estilo, já que o filme fará seu debut no 81º  Festival de Veneza, que começa a partir do próximo dia 28 de agosto, ao lado de nomes de pompa como Walter Salles.

“Manas” conta a história de Marcielle, também chamada de Tielle (a estonteante estreante Jamilli Correa), uma jovem de 13 anos que vive na Ilha do Marajó (PA) com seu pai e três irmãos. Ela possui uma irmã mais velha, Claudinha, que partiu após “arrumar nas balsas um homem bom para cuidar dela”. Com o amadurecimento, Tielle se dá conta da realidade do ambiente abusivo que a cerca e se vê presa em meio à falta de opções. Decidida a proteger sua irmã mais nova, ela confronta esse ciclo histórico de opressão que atinge a ela e as mulheres de sua comunidade.  

Em conversa com Marianna Brennand, a diretora contou que seu primeiro contato com a ideia se deu a partir de uma amiga próxima sua, a cantora Fafá de Belém, que comentou sobre casos de exploração sexual de crianças nas balsas do Rio Tajapuru, na Ilha do Marajó (PA).

Tomada pela urgência da questão, Marianna decidiu investir na transposição da história para o cinema. Em 2014, ganhou um edital de desenvolvimento de roteiro promovido pela Ancine (Agência Nacional de Cinema), que permitiu que desse início às pesquisas para o filme, através de viagens e entrevistas com locais.

Importante mencionar que Marianna vem de uma trajetória bem sucedida como documentarista, com filmes como “Francisco Brennand”, que conta a história do renomado artista plástico recifense; Sendo assim, o questionamento inicial gira em torno da opção pela ficção. Marianna disse que ao se aprofundar no tema através de sua pesquisa, se deparou com uma questão ética no que diz respeito à proteção das histórias e das protagonistas desses enredos sobre meninas adolescentes, em sua grande maioria.

Brennand iniciou assim um complexo trabalho de pesquisa e de escrita de roteiro, que foi alterado por inúmeras vezes. A ideia era fugir de qualquer resquício de sublinhamento da opressão, e garantir com que a gravidade dos fatos fosse retratada de forma verídica e fiel aos acontecimentos locais (mas, claro: com o cuidado e sensibilidade pertinentes a um tema tão delicado e de difícil digestão). Aliás, essa era justamente uma barreira a ser ultrapassada – a de garantir que o tema não fosse rejeitado de primeira pelo público.

Buscando a solução desse impasse, a diretora e sua equipe apostaram no aprofundamento detalhado da pesquisa e no questionamento constante, sempre tendo a psicologia como base de auxílio da narrativa. Desta forma, haveria a possibilidade da ampliação dos processos subjetivos.

Sendo assim, o filme ocorre através da perspectiva central de Tielle. Tielle é a síntese de uma juventude, de um feminino explorado, e de vivências narradas.

A dualidade para concentrar essa multiplicidade e ainda assim garantir a transmissão de uma história singular, ficou sob a responsabilidade de Jamilli Correa. Jamili era uma adolescente, local, que participou da fase de testes que durou meses. Marianna Brennand relatou com detalhes o processo de seleção de seu casting, que conta com nomes de veteranos admiráveis como Dira Paes, Rômulo Braga e Fátima Macedo. Esses artistas renomados confluem com iniciantes arrebatadoras como Jamilli Correa e Samira Eloá.

Impossível finalizar esse texto sem exaltar a direção de Marianna, que concilia força e coragem para contar uma história-denúncia urgente, necessária, com a sensibilidade e respeito que a mesma e todas as mulheres envolvidas merecem.

É o cinema exercendo seu papel de ferramenta social, que nos leva a refletir acerca do lugar da mulher na sociedade contemporânea, sobretudo em um país como o Brasil, que comporta incontáveis “Brasis”. O seu trabalho representa também os históricos retrocessos e ataques à autonomia existencial que não podem mais perdurar.

Talvez só nós, mulheres, saibamos o verdadeiro significado e potência que emerge da palavra “manas”. De qualquer forma, é passada a hora de que mais e mais pessoas se acostumem com ela. Colaborando com isso, Marianna optou para que o título do filme não fosse traduzido. Em todo local ou país em que for exibido, o filme carregará seu título e todo o significado e significante contido na palavra “manas”.

Abaixo, confira a entrevista completa e saiba tudo sobre o filme: