Maior banco da França é denunciado por financiar criação de gado na Amazônia
Organizações alegam que o BNP Paribas tem violado a Lei Francesa do Dever de Vigilância
BNP Paribas falha em vigiar rastro do uso ilegal de terras indígenas para criação de gado, diz CPT e Notre Affaire à Tous
Em mais uma denúncia do uso ilegal dos territórios indígenas para criação de gado, A Comissão Pastoral da Terra se uniu a associação francesa Notre Affaire à Tous (NAAT) para denunciar ao Tribunal de Justiça de Paris uma ação contra o banco BNP Paribas por prestar serviços financeiros, sem adequada vigilância, a empresas como a Mafrig, uma das maiores produtoras mundiais de carne, como publicado pela mídia NINJA.
As organizações alegam que o BNP Paribas tem violado a Lei Francesa do Dever de Vigilância, a qual exige que as empresas multinacionais presentes na França estabeleçam um plano que “inclua medidas razoáveis de vigilância para identificar riscos e prevenir graves violações a direitos humanos e a liberdades fundamentais, violações à saúde, à segurança pública e ao meio ambiente, que resultam das atividades da empresa e de empresas que ela controla”, seja na França ou no exterior.
Os peticionários argumentam que o plano de vigilância do BNP não prevê salvaguardas suficientes para impedir o desmatamento e as violações de direitos humanos.
“É por isso que estamos recorrendo aos tribunais franceses: para garantir que a força da lei possa impedir que estas grandes empresas consigam, por mero greenwashing, se livrar de tão graves acusações”, disse Xavier Plassat, da CPT.
Fornecedores da Marfrig têm praticado atividades implicando em grave desmatamento na Amazônia, apropriação ilegal de terras situadas em territórios indígenas, e trabalho escravo. Esta ação judicial surge poucos dias após o BNP ser levado ao tribunal pelo seu apoio financeiro a grandes empresas do setor petrolífero em novos projetos de energia fóssil.
“Apesar de seus compromissos e declarações públicas, o BNP Paribas continua a financiar o desmatamento da Amazônia. As provas coletadas relativamente ao apoio prestado pelo BNP à Marfrig revelam o quão inadequadas são as medidas implementadas pelo BNP para que seja considerado um real agente no combate ao desmatamento no Brasil e pela neutralidade de carbono”, disse Jérémie Suissa, Delegado-Geral da Notre Affaire à Tous. “Embora esta questão diga respeito ao desmatamento em território brasileiro, trata-se, na verdade, de uma discussão global: a Amazônia tem uma importância crucial para a nossa trajetória climática coletiva e o Brasil é o maior exportador mundial de carne bovina”.
O setor da carne é o maior responsável pelo desmatamento da Amazônia
De acordo com uma análise realizada pela ONG Center for Climate Crime Analysis (CCCA) sobre dois frigoríficos operados pela Marfrig entre 2009 e 2020, seus fornecedores podem ter sido responsáveis pelo desmatamento de mais de 120.000 hectares de floresta na Amazônia e no Cerrado durante esse período. No ano passado, cientistas descobriram que certas partes da Amazônia já passaram a emitir mais dióxido de carbono do que são capazes de absorver, sendo a maioria das emissões causadas por incêndios, muitos deles provocados deliberadamente para limpar terras destinadas à produção de carne e de soja.
Também se constatou que a Marfrig adquiriu direta e indiretamente gado de fazendeiros que criam seus animais, de forma ilegal, em terras indígenas. Entre outras, trata-se de fazendas localizadas no território indígena Apyterewa, no estado do Pará, uma das terras indígenas mais afetadas pelo desmatamento nos últimos anos, e no território indígena Manoki, no estado do Mato Grosso.
“Para continuar a gerar seus lucros colossais, ao preço de graves violações – para as quais ativistas, mídia e grupos indígenas têm chamado nossa atenção nos últimos anos – a Marfrig tem pressionado para negar o acesso a informações sobre suas cadeias de abastecimento, recusando-se a monitorar seus fornecedores indiretos implicados em violações. Uma vigilância razoável não deveria permitir que o BNP tolere tal situação,” disse Xavier Plassat, da CPT.
O setor da carne no Brasil é também conhecido pelas suas práticas de trabalho escravo. A Organização Internacional do Trabalho estima que esta atividade é responsável por 62% do trabalho escravo no país. A ONG Walk Free publicou em 2018 uma estimativa global segunda a qual o número de pessoas submetidas a trabalho escravo no Brasil é de 369.000.
Relatório revela os crimes para mascarar a origem ilegal da carne na Amazônia
Em setembro de 2022, a Mídia NINJA publicou o relatório Monitor 16 – De Olhos Fechados Para o Desmatamento, da Repórter Brasil, denuncia irregularidades na fiscalização da origem do gado que chega aos grandes frigoríficos no Brasil, como JBS, Marfrig e Minerva. Segundo o relatório, cerca de 17% da carne exportada para a União Europeia pode estar contaminada pelo desmatamento ilegal na Amazônia e no Cerrado. A grande cadeia de transporte do gado, podendo passar por diferentes fazendas entre as etapas de cria, recria e engorda, dificulta a fiscalização de fornecedores indiretos, mas fraudes em documentos oficiais também são usadas para burlar a fiscalização.
Em 2009, o Greenpeace lançou um relatório denunciando a compra de carne proveniente de fazendas em área desmatada ilegalmente na Amazônia. A partir dessa denúncia, as maiores redes frigoríficas do Brasil firmaram um acordo com protocolos que estão em vigor até os dias atuais, a fim de estabelecer regras para a compra de gado proveniente da Amazônia. O acordo previa mapear os fornecedores diretos em 2009 e os indiretos até 2011, excluindo da lista de fornecedores aqueles ligados ao desmatamento ilegal no bioma.
Para facilitar esse mapeamento secundário foram firmados acordos de compra individuais entre procuradores do Ministério Público Federal (MPF) e frigoríficos, estabelecidos a partir de Termos de Ajustamento de Conduta (TAC), que determinam que os frigoríficos não podem comprar gado de terras com registro de desmatamento ilegal na Amazônia após 2008, de propriedades inseridas na lista suja do trabalho escravo do governo Federal, áreas protegidas ou Unidades de Conservação (UC). O relatório destaca que cerca de 100 empresas frigoríficas já se tornaram signatárias dos TACs da Carne.
Em 2020, o MPF, juntamente com o Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora), criou um protocolo de monitoramento com uma série de critérios que todos os signatários devem seguir. Tais critérios incluem análises geoespaciais de propriedades fornecedoras, análises de listas públicas, análise de documentos, como o Cadastro Ambiental Rural (CAR) e as Guias de Transporte Animal (GTAs), e análise da produtividade do fornecedor.
Porém, a falta de transparência em relação a documentos referentes a questões fundiárias dos estados e do próprio Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) é um impasse para o monitoramento efetivo das propriedades.
“Apenas Pará e Mato Grosso ainda divulgam com alguma qualidade os embargos ambientais. Outros estados não fazem isso. Há muita informação que não está disponível de maneira operacionalizada para que o monitoramento seja executado. Temos uma deficiência de informações organizadas muito grande”, disse Lisandro Inakake de Souza, engenheiro agrônomo e coordenador da iniciativa de clima e cadeias agropecuárias do imaflora, à Repórter Brasil.
Outro impedimento são as fraudes empregadas no Cadastro Ambiental Rural (CAR) e nas Guias de Transporte Animal (GTAs), critérios utilizados para fiscalização da compra de gado na Amazônia.
O CAR, ferramenta utilizada para que os proprietários registrem as informações ambientais da propriedade, como a localização de Áreas de Preservação Permanente (APP), áreas de uso restrito, Reserva Legal e áreas com remanescentes de vegetação nativa, tem sido utilizado para registrar áreas ocupadas ilegalmente, muitas localizadas em Terras Indígenas (TI), ou até mesmo redesenhar o perímetro das propriedades, dividindo-as em pequenos lotes. A consulta dos CARs pela sociedade civil também é dificultada, apenas no Pará e Mato Grosso a consulta pode ser feita com o CPF ou CNPJ do proprietário, sendo que em outros estados essa apenas ocorre através do número de registro do CAR.
As GTAs, documento de controle sanitário obrigatório para o transporte do gado em qualquer etapa de criação, são essenciais para monitorar a origem do gado que chega aos frigoríficos. Não há, no entanto, pleno acesso a essas informações, com a justificativa de as guias possuírem informações sensíveis sobre os fornecedores. Além disso, estas também são passíveis de fraudes. Uma propriedade cuja área está ligada ao desmatamento ilegal ou trabalho escravo consegue emitir guias em nome de outras fazendas, de parentes ou amigos, dando a impressão de que seu gado provém de uma fazenda limpa. As fraudes, de acordo com o relatório, poderiam ser facilmente descobertas, mas a fiscalização é ineficiente.