Está agendado para o próximo dia 03 de agosto, o julgamento no plenário do STF, do referendo da liminar proferida pelo eminente ministro Luís Roberto Barroso, na ADPF n. 709, da Articulação dos Povos Indígena do Brasil (APIB), em conjunto com outros seis partidos políticos (PSB, REDE, PSOL, PT, PDT e PC do B), que determinou ao governo federal a adoção de medidas para conter o avanço da pandemia nos territórios indígenas. Esta ação (Arguição por Descumprimento de Preceito Fundamental) é o grito de socorro dos povos indígenas no judiciário. Em síntese, a organização indígena invoca o sagrado direito de existir, de não ser exterminado e busca medidas para evitar o genocídio e etnocídio dos povos indígenas do Brasil.

A presença da APIB como autora da ação é um ponto fundamental. Durante muito tempo os povos indígenas foram colocados numa posição de subalternidade legal. Ainda no início da colonização questionou-se até se os “índios eram detentores de almas”. Foi preciso um documento do Papa reconhecendo que os mesmos possuíam alma e, portanto, eram passíveis de catequização. Superado esta visão, os povos indígenas foram subjugados a tutela jurídica, considerados como incapazes para a prática dos atos da vida civil, estes não podiam se fazer representar, necessitando sempre do aval do Serviço de Proteção ao Índio (SPI) e depois da Fundação Nacional do Índio (Funai).

Foi somente com a Constituição Federal de 1988 que os povos indígenas tiveram reconhecido o direito de estarem em juízo defendendo seus direitos e interesses. Neste aspecto, a Carta constitucional rompeu com o paradigma tutelar e integracionista que até então orientava a política indigenista brasileira. Mas, passados mais de 30 anos da promulgação da Constituição, esta é a primeira vez que os povos indígenas vão ao Supremo, em nome próprio, defendendo direito próprio e por meio de advogados próprios, propondo uma ação de jurisdição constitucional.

A APIB tem acompanhado com preocupação o avanço da pandemia nos territórios indígenas. A situação de extrema vulnerabilidade dos povos indígenas, aliado a omissão sistemática do governo brasileiro – diga-se: um governo declaradamente anti-indígena – , onde mesmo o poder legislativo tendo aprovado o PL 1142, que prevê medidas emergenciais para povos indígenas e quilombolas, mas que foi vetado pelo presidente Jair Bolsonaro, fez com que os povos indígenas batessem a porta da Suprema Corte. Assim, a ADPF 709 é o grito de socorro dos povos indígenas. O STF tem a oportunidade de referendar as medidas que visam impedir o genocídio dos povos indígenas neste contexto de pandemia.

A ação foi proposta no dia 29 de junho, e distribuída ao ministro Luís Roberto Barroso. Na petição inicial, a APIB pediu a instalação de barreiras sanitárias em 31 terras indígenas com presença de indígenas isolados e de recente contato; a extrusão dos invasores presentes nas TI’s Yanomami, Karipuna, Uru-EuWau-Wau, Kayapó, Araribóia, Munduruku e Trincheira Bacajá; a determinação de que os serviços do Subsistema de Saúde Indígena do SUS devem ser prestados a todos os indígenas no Brasil, inclusive os não aldeados (urbanos) ou que habitem áreas que ainda não foram definitivamente demarcadas.

No dia 2 de julho, o relator proferiu despacho determinado a “intimação do Exmo. Sr. Presidente da República, do Exmo. Procurador-Geral da República e do Exmo. Advogado Geral da União, para manifestação no prazo comum e impostergável de 48 horas (independentemente do recesso) sobre o pedido de cautelar. Após o transcurso do prazo, com ou sem manifestação, os autos devem retornar à conclusão, para decisão”.

Após as respostas apresentadas pelo presidente Jair Bolsonaro e pela Advocacia Geral da União (AGU), o ministro apreciou a petição e os argumentos apresentados pela APIB. E, no dia 8 de julho, foi proferida decisão deferindo parcialmente a liminar pleiteada, determinando ao governo federal a adoção das seguintes medidas:

  • Determinação de criação de barreiras sanitárias, conforme plano a ser apresentado pela União, ouvidos os membros da Sala de Situação, no prazo de 10 dias, contados da ciência desta decisão.
  • Determinação de instalação da Sala de Situação, como previsto em norma vigente, para gestão de ações de combate à pandemia quanto aos povos indígenas em isolamento e de contato recente, com participação de representantes das comunidades indígenas, da Procuradoria Geral da República e da Defensoria Pública da União, observados os prazos e especificações detalhados na decisão. Quanto aos povos indígenas em geral.
  • Determinação de que os serviços do Subsistema Indígena de Saúde sejam acessíveis a todos os indígenas aldeados, independentemente de suas reservas estarem ou não homologadas. Quanto aos não aldeados, por ora, a utilização do Subsistema de Saúde Indígena se dará somente na falta de disponibilidade do SUS geral.
  • Determinação de elaboração e monitoramento de um Plano de Enfrentamento da COVID-19 para os Povos Indígenas Brasileiros, de comum acordo, pela União e pelo Conselho Nacional de Direitos Humanos, com a participação das comunidades indígenas, observados os prazos e condições especificados na decisão.

É chegada a hora em que o pleno do Supremo tem a oportunidade de reconhecer a legitimidade da APIB para propor ação direta perante o Supremo Tribunal Federal e, referendar as medidas protetivas deferidas na cautelar.

A ADPF 709 proposta pela APIB é o documento judicial pela qual os povos indígenas invocam o direito de existir. O direito de não ser exterminado.

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