Ilustração de Ziraldo para o livro Chapeuzinho Amarelo, de Chico Buarque

Vem cá, deixa eu te contar

Se tem uma coisa que o isolamento social e a pandemia nos deixou, foi com medo. Eu, que fiz da frase do Marighella um lema de vida – “não temos tempo para ter medo”-, deparei-me com um medo que nunca esperei sentir: o medo da morte. 

E quem diria que esse medo da morte acabaria me levando a uma crise de pânico?! E foi assim que eu cheguei ao livro Chapeuzinho Amarelo.

Depois dos 34 anos, eu me apaixonaria por um livro infantil. Eu cheguei a esse livro por meio de uma grande amiga. Estávamos ela e eu conversando sobre o medo de sentir medo e ela me falou desse livro. Fui ler. E, para além da metáfora que criei com o tal “medo de sentir medo”, foi impossível lê-lo e não fazer ligações com dias atuais. 

O livro é uma obra do Chico Buarque, escrita em 1979, ainda no período da ditadura militar do Brasil. As ilustrações do livro foram feitas por Ziraldo que, de forma muito cirúrgica, leva-nos a sentir o livro para além das palavras. Vale ressaltar que o livro ganhou o prêmio Jabuti de ilustração, 1998. Li a 41ª edição, publicada pela editoria Yellowfante, em 2020.

Chico escreveu o livro num momento de falta de liberdade. De exílio. Mas quero trazê-lo para os dias atuais.

[Alerta de Spoiler!] A história é de uma menina chamada “Chapeuzinho Amarelo”, que fica paralisada de tanto medo  e que acaba ficando amarela. A cor, nesse momento, passa a ter uma ligação direta ao medo – amarelou.

Ela não consegue sair de casa, brincar e encontrar com amigos. Fica só deitada. Mas tem medo de dormir, porque tem medo de sonhar. Até que o medo do medo de sentir medo a paralisa.

Ilustração de Ziraldo para o livro Chapeuzinho Amarelo, de Chico Buarque



A história começa a ser narrada com todos os verbos conjugados no passado e na negativa. Isso demonstra uma menina frágil. E então ela começa a se questionar se, de fato, o Lobo existe ou se era uma fantasia da cabeça dela. Afinal, ela nunca tinha visto um. Aqui começa a grande virada da vida de Chapeuzinho. Ela começa a perguntar por que sente medo de algo que nunca viu ou sequer enfrentou.

Nesse momento, a ilustração de Ziraldo é fantástica. O Lobo aparece em forma de sombra. E uma sombra da própria Chapeuzinho. Ou seja, o lobo pode ser ela mesma. O medo pode ser algo que ela mesma construiu ou foi induzida a construir, a ter.

Um dia ela encontra o Lobo. E ele tinha todo o jeito de Lobo, pelo menos do que contaram para ela. Contudo, ela percebeu que ele não era tão de verdade assim. Afinal, a forma como ele é descrito –  tão cruel e assustador -, faz com que ela comece a desacreditar que ele exista.

Veja, aqui ela está cara a cara com o que a faz paralisar. Pra mim esse é um ponto fundamental: o fato de uma pessoa sentir medo, ou de você não ver algo não significa que não exista. Isso me lembra muito o debate sobre saúde mental. A tal “é frescura o que você sente”.

O Lobo tenta se reafirmar como esse sujeito de quem ela tem que sentir medo. Grita como quem diz “Você não sabe com quem tá falando!”. 

Ilustração de Ziraldo para o livro Chapeuzinho Amarelo, de Chico Buarque

Então, o Lobo fica chateado porque Chapeuzinho não tem mais medo dele. Aqui, ela começa uma nova fase da vida dela, a mais bonita – eu acho – do livro. O LOBO vira BOLO. E, assim, Chapeuzinho encontra um mecanismo de enfrentar todos os seus medos, ou os que lhe são impostos.

Ela vai trocando o nome. Um pouco de neurolinguística aqui?! Ela fica feliz. Volta a sair de casa, brincar e jogar amarelinha.

O livro acabou sendo fundamental para que eu entendesse a construção do medo nesse contexto de pandemia e a necessidade de enfrentá-lo para que possamos passar por esse momento sem perder a essência de coletividade e de enfrentar as adversidades que a vida nos traz.

E aí, que medo te paralisa?

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