A tomada de posse de Xiomara Castro como primeira presidenta mulher de Honduras, após 12 anos do golpe de estado que destituiu seu marido Manuel Zelaya, colocou o país do Caribe mais uma vez no foco do debate geopolítico na região. A chegada da esquerda ao governo acende a chama da esperança para movimentos feministas e LGBTQI+, também para os sindicatos, agrupações trabalhistas e sobretudo para o povo Garifuna, que durante os últimos 12 sofreu todo tipo de perseguições, violência institucional e paramilitar, e a diminuição por expropriação violenta e ilegal do seu território, seus recursos naturales e sua cultura. A cultura garifuna é considerada Património Cultural Imaterial e Universal da Humanidade pela UNESCO e os etnógrafos consideram o povo Garifuna como o único povo negro do continente a conservar sua cultura desde seu origem, já que não tiveram ancestrais escravizados.

Celebração dos 224 anos da chegada do povo Garifuna a Honduras

O povo Garífuna é uma cultura ancestral que tem sua origem na união de três culturas; os africanos, aruaques e caribenhos. Atualmente existem nove povos originários em Honduras: Pech, Nahua, Tolupan, Maya Chortí, Lenca, Garífuna, Negros de fala Inglesa, Tawahka y Miskitu.

A origem dos garífunas remonta a 1635, quando dois navios que transportavam negros escravizados da África para as Índias Occidentales (Antilhas e Bahamas) naufragaram perto da Ilha de São Vicente, no Mar do Caribe. A história diz que os sobreviventes do naufrágio nadaram até a ilha, onde foram recebidos pelos indígenas locais, e logo os dois grupos formaram o povo Garinagu.

Durante o século 18, a ilha foi disputada entre a França e a Grã-Bretanha. Quando os ingleses assumiram disso, eles se opuseram aos caribes negros por sua aliança com os franceses e deportaram mais de 5.000 garífunas para o pequena ilha de Roatán (Honduras), da qual apenas 50% sobreviveram à viagem. O povo garífuna se dispersou gradualmente ao longo da costa de Honduras, Belize e Nicarágua e fundou a cidade guatemalteca de Livingston.

Foto: wikipédia

Estima-se que existam cerca de 250 mil garífunas em Honduras e mais de 10 mil que emigraram para os Estados Unidos a partir dos anos 30 do século XX. A cultura garifuna é ancestralmente matrifocal, as idosas são herdeiras do saber espiritual ancestral que lhes permite comunicar-se com os ancestrais a quem apresentam oferendas e pedir ajuda em suas lutas para conservar seus territórios que para elas representam a vida, a cultura, o própria existência do povo original Garifuna.

Tal é a riqueza e singularidade desta cultura que sua língua, danças tradicionais e música dos garífunas foram declarados Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade pela UNESCO. Estudos etnológicos indicam que são os únicos negros das Américas que preservaram sua própria cultura porque seus ancestrais não foram escravizados.

A organização social tradicional do povo Garífuna é baseada nas mulheres, que transmitem os saberes tradicionais, fortalecem o núcleo familiar e o apoio coletivo, principalmente pelo caráter ancestral e terapêutico de suas cerimônias. É curioso que a língua garífuna seja diferente dependendo do sexo de cada um, os homens usam um vocabulário mais fechado e as mulheres usam palavras do aruaque.

Foto: Martín Stoianovich

Em março de 2016, o assassinato da ativista ambiental Berta Cáceres deu visibilidade ao risco a que estão expostos os defensores de direitos humanos em Honduras. Segundo a organização Global Witness, mais de 120 pessoas foram mortas desde 2010 por se oporem à construção de barragens, minas, extração ilegal de madeira ou ao desenvolvimento de megaprojetos. Os perpetradores são as forças do Estado, assassinos contratados ou guardas de segurança pagos por interesses poderosos.

Pelo menos 16 garifunas foram assassinados em 2019, seis deles mulheres, incluindo as defensoras Mirna Suazo e María Digna Montero.

Miriam Miranda dedicou uma vida inteira à defesa dos direitos humanos e ambientais em Honduras. Em particular, aqueles ligados aos povos indígenas. Desde 2008, dirige a organização Ofraneh, que luta contra a expulsão de comunidades para se apropriarem de suas terras para a construção de usinas termelétricas ou para a compra ilegal de territórios para a construção de megaprojetos turísticos. Ela é Garifuna de origem e ainda é a primeira mulher a ser premiada pela Fundação Friedrich Ebert (FES), por seu trabalho em defesa dos direitos humanos, especialmente da comunidade Garífuna.

A luta do povo garífuna tem rosto de mulher. Somos nós que estamos ligados à terra, que defendemos os direitos sobre os recursos naturais, que são bens comuns de nossas comunidades. Só nos últimos cinco anos, mais de 50 garífunas foram mortos; 30 estão presos e 32 têm ordem judicial, sendo perseguidos por suposta usurpação de seus próprios territórios ancestrais”, disse Miriam Miranda à rede alemã Deutsche Welle.

Em 7 de agosto de 2021, a Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) emitiu uma ordem urgente ao Estado de Honduras para proteger as comunidades garífunas, como consequência da desaparição de 5 jovens garifunas ativistas pelos direitos da comunidade. A resolução da organização interamericana exigia que o Estado hondurenho “adote todas as medidas necessárias e apropriadas” para determinar o paradeiro dos cinco garífunas, desaparecidos desde 18 de julho de 2020.

A chegada de Xiomara Castro ao poder em Honduras acende uma chama de esperança para o povo Garifuna, mas ainda enche de responsabilidade o novo governo de esquerda, do qual se esperava ter um ministro Garifuna, coisa que não aconteceu. Interesses político regionais, privados e das elites abrem um duro desafio para a proteção de um patrimônio cultural valiosíssimo para latinoamérica, declarado de interesse mundial pela UNESCO.

Em 2009, Manuel Zelaya viu seu governo derrocado por um golpe de estado orquestrado pelas elites hondurenhas junto aos Estados Unidos, como consequência de reformas tais como educação pública gratuita para crianças, um salário mínimo mais alto e uma série de políticas de assistência social que incluíam transferências de renda e eletricidade gratuita. 12 anos depois, Honduras afunda numa pobreza e uma catástrofe social ainda maior. As reformas são ainda mais urgentes e o perigo de um ataque golpista da ultra direita aciona o alarme dos defensores dos direitos dos povos originários. A violência assassina da direita, sempre à espreita, não descansa nunca, e muito menos diante da frágil barreira imposta pela instável democracia Hondurenha. 

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