Breve (e insuficiente) antropologia do natal
O natal, celebrado em território que foi violentado de forma impiedosa para que assim possa acontecer essa data de confraternização humana, é uma mostra de quão poucos cientes somos da nossa história, do verdadeiro sentido do nosso presente.
Peter Joseph escreve que há 3500 anos, um 25 de dezembro, nascia Horus, apelidado de “verdade da luz” ou “filho escolhido de Deus”, que tinha 12 discípulos, foi batizado por Anup e traído por Typhon, morreu na cruz e no terceiro dia ressuscitou.
Atis nasceu na Frígia, 3.200 anos atrás, de uma virgem; um 25 de dezembro. Uma estrela o anunciou; Ele realizou milagres, teve discípulos, foi crucificado e ressuscitou.
Na Pérsia, Mitra nasceu de uma virgem em 25 de dezembro, teve 12 discípulos, produziu milagres, morreu e ressuscitou no terceiro dia, foi apelidado de “a verdade” ou “a luz” e, curiosamente, foi adorado no domingo.
Na Grécia, 500 anos antes de Jesus, em 25 de dezembro e também de mãe virgem, nasceu Dionísio, o “rei dos reis” ou “filho único de Deus”, que transformou a água em vinho e ressuscitou depois de ser sacrificado.
Todos eles, segundo Joseph e outros teóricos do Zeitgest são representações do sol. A sequência do nascimento de Jesus e outros personagens mitológicos é completamente astrológica e que a estrela que os anuncia e aponta para onde o Sol nasce (o Oriente) é Sirius.
Em dezembro, Sirius se alinha com as três estrelas mais brilhantes do Cinturão de Órion, conhecidas como “Os Três Reis”.
Nos tempos antigos, o solstício de inverno era celebrado (por estar no hemisfério norte) com um festival pagão em Roma chamado Saturnália. Os motivos da celebração foram principalmente dois:
– Em homenagem a Saturno, que era o Deus da agricultura na época
– Como uma festa do triunfo (depois do anoitecer) (Sol Invictus).
Esta celebração foi realizada entre 17 e 23 de dezembro, quando o Sol entrou na constelação de Capricórnio (como o regente de Capricórnio é Saturno). Foi à luz de velas e/ou com tochas e eles comemoraram um novo período de luz e o fim do período mais sombrio do ano.
Para eles, o Invictus Sun nasceu em 25 de dezembro, coincidindo com o Solstício de Inverno.
É provável que a celebração de Saturnália também se deva à conclusão do trabalho de campo, dando lugar a um descanso depois de muito trabalho (também Saturno) para todos: plebeus e escravos.
A Saturnália foi celebrada por sete longos dias e houve até trocas de presentes, grandes celebrações acompanhadas de boas e abundantes festas.
Assim, os três magos famosos podem ter sido três astrólogos ou, na sua falta, uma metáfora dessas três estrelas que seguem Sirius e que indica onde o Sol renascerá.
A virgem não faria alusão a Maria, mas ao signo de Virgem, que em latim significa virgem e que astrologicamente é representado por uma mulher com uma espiga de trigo na mão. O pão é feito com trigo e, para algo, Belém significa “Casa do Pão”.
Há também especulações de que Cristo nasceu em setembro, sob o signo de Virgem e Peixes ascendente, um sinal que dá nome à atual era astronômica, que começou com o cristianismo.
Para os antigos, o solstício de inverno simbolizava o processo da morte: em 21 de dezembro, no hemisfério norte, o Sol chega ao sul no ponto mais baixo do horizonte, “freia” perto da constelação de Southern Cross e fique lá por três dias antes de mudar de rumo. É o fenômeno que na astronomia é conhecido como “ainda sol”.
Em 25 de dezembro, o Sol retoma seu caminho ao contrário, ou seja, ao norte, na proporção de um grau por dia, anunciando cada vez mais dias luminosos no hemisfério norte.
A crença de que o filho de Deus morreu na cruz e no terceiro dia ressuscitou seria reduzida a um simbolismo astronômico: o Sol “morre” perto do Cruzeiro do Sul e depois de três dias “ressuscita”, ou seja, muda de rumo. e traz mais e mais luz para o norte.
Isso explicaria por que Jesus, Hórus, Atis e todos os outros compartilham o processo da cruz e da ressurreição após três dias. Os 12 discípulos são as 12 constelações zodiacais, pelas quais o Sol viaja anualmente; e a cruz cristã é a cruz do zodíaco, que divide o ano em quatro estações.
A partir do renascimento, o homem se coloca com eixo de todo o universo. Isto explicaria essa atualização do natal, que na antiguidade celebrava uma era de abundância agrícola, e nessa nossa modernidade celebra a nascimento do “filho do homem”. O natal poderia ser considerado uma autoafirmação da nossa cultura eurocêntrica (que tem colonizado o mundo inteiro), que coloca o homem, uma páter familias (o nosso pai) no centro de todas as coisas. Vestígio do falocentrismo patriarcal que ainda sobrevive no nosso inconsciente coletivo e se reproduz através da prática dos nossos costumes, da nossa língua e, por fim, dos nossos atos conscientes que prevalecem dentro do imaginário que fundamenta as bases da dominação de género na nossa cultura.
O natal configura uma série de valores de perdão, amor e concílio que contradizem de pleno a metodologia que fez o cristianismo ser instaurado fora da Europa ocidental: a violência, a perseguição, a intolerância e o extermínio das culturas vernáculas das regiões onde os europeus cristãos “enviados de Deus” pisavam para explorar e saquear as riquezas desses povos.
Existe a possibilidade de perdão? Existe espaço para uma celebração do nascimento do homem em nome de quem se cometeram tantas atrocidades? Em nome de quem foi praticada tanta violência e tanta intolerância? Seria celebrado o natal, essa data de amor puro, nessas terras, se ela não tivesse sido conquistada através da violência e do horror?
O natal, celebrado em território que foi violentado de forma impiedosa para que assim possa acontecer essa data de confraternização humana, é uma mostra de quão poucos cientes somos da nossa história, do verdadeiro sentido do nosso presente. De quanto precisamos ainda nos envolver na batalha cultural para que assim a emancipação humana não caminhe em direção de uma utopia racionalizada e sim de um propósito cotidiano, amorfo e imprevisível de amor, tolerância e acolhimento do próximo.