Arte: Cris Vector

“Só teremos uma sociedade justa, igualitária e democrática, quando toda sua população puder participar dos processos de decisão. Hoje, infelizmente, a política que decide os destinos do país é majoritariamente ocupada por homens. Basta dizer que aqui na Câmara dos Deputados, dos 513 parlamentares, apenas 77 são mulheres” disse Gleisi Hoffmann em vídeo postado no canal do Youtube “PT na Câmara”, no dia 8 de março de 2020, a propósito do Dia Internacional da Mulher. Em 23 de abril de 2018, Gleisi Hoffmann, como presidenta do Partido dos Trabalhadores, junto a ex-presidenta Dilma Rousseff, se faria presente no lançamento do projeto “Elas por Elas”, um projeto ideado por um coletivo de mulheres dentro do partido e liderado, entre outras pela Gleisi.

Gleisi Hoffmann já foi advogada, assessora na Assembleia Legislativa do Paraná (ALEP), na Câmara Municipal de Curitiba e na Câmara dos Deputados no Congresso Nacional em Brasília. Foi secretária executiva de gestão financeira no Mato Grosso do Sul, secretária municipal de gestão pública em Londrina. Em 1989, filiou-se ao PT. Em 2003 foi nomeada para o cargo de diretora financeira da Itaipu Binacional, foi a primeira vez que uma mulher ocupou esse cargo. Logo, foi eleita secretária estadual do conselho de mulheres e membro do diretório nacional do PT. Em 2008 se torna a primeira presidenta mulher do PT no Paraná.

Em 2008, candidatou-se à prefeitura de Curitiba, obtendo 18% dos votos e ficando no segundo lugar. Em 2010, tornou-se a primeira senadora mulher eleita pelo estado de Paraná. Em 2011 foi nomeada ministra-chefe da Casa Civil durante o governo da presidenta Dilma Rousseff. Em 2013, foi aprovado seu projeto de lei que extingue o 14º e 15º salário dos parlamentares. Em 2017 foi escolhida pelos seus correligionários a liderar a bancada do PT no Senado. Também em 2017, foi eleita a primeira mulher presidente do Partido dos Trabalhadores, reeleita em 2019, e exercendo o cargo até o dia de hoje.

De formação católica, teve grandes influências da teoria da libertação, o que a levou também a formar parte da militância estudantil, chegando a ser presidenta da União Paranaense dos Estudantes Secundaristas (UPES) e logo Diretora da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (UBES).

Em entrevista, Gleisi responde sobre a representatividade das mulheres na política, sobre a atuação da Secretaria Nacional de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), durante o governo do Bolsonaro, sobre sua viagem a Venezuela, sobre o posicionamento do PT diante da possibilidade de um impeachment do presidente Bolsonaro, e sobre conjuntura geral no meio a crise gerada pela pandemia do Covid-19.

Você teve uma forte influência da Teoria da Libertação e outras fontes teológicas do cristianismo que promulgam a igualdade, a solidariedade, o amor e a fraternidade como mecanismos de construção social. Que leitura faz dessas lideranças cristãs que apoiam um governo que defende os privilégios de classe, a acumulação da riqueza, o terrorismo institucional e a idolatria política?

G.H. São túmulos caiados. Limpos por fora e podres por dentro. Infelizmente, a história da humanidade está repleta de seres desse jeito. O próprio Evangelho do nosso senhor Jesus Cristo denuncia isso: “Aqueles que pregam algo que não acreditam e não praticam”. Eu, de fato, tive muita influência da teologia da libertação e dos ensinamentos cristãos no sentido de vivenciar as coisas a partir da lógica dos pobres, dos povos oprimidos e da necessidade de trazer os ensinamentos do Cristo Libertador. Não dessa religião, não desses preceitos que essas pessoas que falam em nome de Deus ou de princípios cristãos pregam ou fazem. Esses ai são verdadeiros túmulos caiados.

Você já foi ministra-chefe da Casa Civil durante o governo da Dilma Rousseff, foi líder da bancada do PT no parlamento, hoje é a presidenta nacional do partido. Acredita que é preciso de mais lideranças mulheres na política?

G.H. Com certeza, a representatividade das mulheres está muito aquém do que elas são efetivamente na sociedade. As mulheres são metade da população. E essa metade da população está sub-representada na política e nos processos decisórios. Portanto, não tem democracia que se sustente se isso persistir. Por isso é muito importante a presença das mulheres na política, nos cargos de representação, nos cargos executivos, ajudando a decidir os rumos da vida, do país.  A minha luta sempre foi por isso. É o equilíbrio o que nós precisamos para o fortalecimento da democracia.

Como alguém que já foi parlamentar e parte do executivo poderia descrever o sexismo e o machismo nos bastidores da política institucional brasileira? Quantas vezes se sentiu agredida ou diminuída pelo fato de ser mulher nos corredores das instituições governamentais?

G.H. Machismo e sexismo estão todos os setores da sociedade, não apenas os bastidores da política. Talvez na política ele se manifesta de forma diferente porque é um espaço onde disputa o poder, e as mulheres são ainda uma novidade, e não estão em massa, ou não estão pelo menos representando o que elas são de fato na sociedade. E como se disputa o poder, o jogo é mais duro, o machismo mesmo sim é velado. Ele é mais forte no sentido de combater as mulheres, e pega pela diminuição, pelo não reconhecimento de sua competência, por exagerar nas cobranças, pelas piadas de mau gosto, e principalmente pelo modo masculino de fazer política, de exercer, de exercer o poder e de tomar decisões, o que alisa muitas mulheres desse processo. Por isso a importância das mulheres entrar em grande número na política, nos cargos de decisão executivos. Estamos ainda sub-representadas. É a quantidade menor de mulheres o que dificulta o enfrentamento a esse estado de coisas que se perpetuam no mundo da disputa do poder e da política. Acho que quando as mulheres entrarem em massa nesse mundo, ou pelo menos representarem o que elas de são na sociedade, 50% das pessoas, tudo isso tende a mudar.

Sua viagem à Venezuela, um país que é claramente o principal alvo da direita na América Latina, para prestigiar a posse do presidente Maduro, foi muito criticada, sobretudo nos setores conservadores. Mas também houve críticas mesmo dentro do campo progressista. Temos visto o que aconteceu na Bolívia, onde teve um claro golpe de estado e hoje se exerce a perseguição ideológica e até o racismo, você acha que a esquerda talvez vai conseguir entender mais a atitude do governo bolivariano para proteger as conquistas sociais e institucionais da ultradireita naquele país?

G.H. Eu espero que sim. Aliás, se toda a esquerda respeitar o que aconteceu na Venezuela, que foi uma eleição legítima de um presidente (podendo concordar 100% ou não com ele), já seria um grande feito. Agora, o que nós temos na Venezuela é uma conscientização e organização popular para além do sistema democrático de eleição. As pessoas lá são conscientizadas sobre o que que é a luta popular, a organização, a importância de defender o país apesar de todos os boicotes, das dificuldades que a Venezuela enfrenta em um país que precisa muito ainda se desenvolver. Venezuela precisa muito fortalecer sua economia para melhorar suas condições. E hoje o país recebe ajuda de outros países. Eu acho que isso é importante. E o fato da Venezuela ter resistido, ter mostrado a farsa de Guaidó, e ter mobilização popular, fez com que ela pudesse enfrentar um poderio absurdo do imperialismo americano. Eles mostraram que estão sendo submetidos, e conseguiram estabelecer um processo de paz nas suas fronteiras. O Brasil, com sua pequenez política, jamais conseguirá enfrentar a organização que tem o povo venezuelano.

Num momento em que os dados da pandemia por Covid-19 mostram como o vírus tem maior impacto na população negra, como consequência do racismo estrutural da sociedade brasileira, como você vê a passividade da Secretaria Nacional de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir)?

Essa secretária hoje praticamente não existe. Ela existiu nos governos do Lula e da Dilma, que tinham um compromisso efetivo em ter uma Secretaria de Promoção da Igualdade Racial. Que tinha um trabalho de políticas públicas estruturadas para isso. Hoje a secretaria é mais um enfeite do governo, talvez mais um órgão para ter cargos para poder satisfazer os interesses políticos que tem o grupo do Bolsonaro. Mas de fato ela não tem nenhum poder, nenhuma ação política para efetivamente mudar a vida do povo negro no Brasil. As políticas que conhecemos com Dilma e Lula foram políticas importantíssimas, poderiam mudar, e muito, a história do nosso país. Pena que elas foram exercidas por um curto período de tempo.

Hoje se fala de interseccionalidade para entender que existem múltiplos sistemas de opressão, e tem quem defenda que a principal luta é a luta de classes, ou seja, de classes econômicas, e que a interseccionalidade só serve para dividir o campo progressista. Em que lugar você se coloca dentro desse debate?

Eu acho que a luta econômica é uma das mais importantes, porque ela define a posição do indivíduo na sociedade. Aquele que tem posse, aquele que tem dinheiro, aquele que manda, aquele que pode oprimir. Então ela é uma luta importante, é uma luta da sobrevivência das pessoas. O direito e o acesso à comida, ao emprego, e à renda. Mas é óbvio que ela está ligada a muitas outras lutas, até para que determinadas classes mantenham o poderio econômico, outras formas de opressão, por exemplo o machismo, o preconceito em relação às mulheres, o sexismo. Vem da ideologia do capitalismo, que é o patriarcado, que acaba atingindo todos os setores da sociedade, que são diferentes daquilo que o patriarcado coloca como normal, como o certo. Homens brancos ricos que mandam no sistema. E quem não estiver enquadrado dentro desse conceito passa a ser diferente, e o diferente tem que ser combatido. Mas o principal diferente é aquele que não têm acesso a um mínimo de dignidade, de sobrevivência. Portanto, a luta econômica ela é importante. Mas quando a gente faz a luta de classes pela perspectiva econômica, a gente também atinge a ideologia que a sustenta .

Que reflexão pode fazer das atitudes e as declarações do Ciro Gomes ao respeito do Partido dos Trabalhadores e do seu líder Lula?

Ciro Gomes é um homem perdido, frustrado e amargurado.

Como viu o afastamento do ministro de justicia Sérgio Moro do núcleo mais radical do bolsonarismo?

Sérgio moro tentou salvar a própria pele pulando do barco quando achou que o barco podia afundar. Ele ficou lá esse tempo todo, viu as barbaridades do Bolsonaro, os ataques à democracia, a falta de empenho em relação a esclarecer crimes como da Mariele. Aliás, ele não fez empenho nenhum.  Aceitou as pressões de Bolsonaro. Só saiu para tentar se salvar.  É tão criminoso quanto o Bolsonaro. Aliás, Bolsonaro só é presidentes porque Sérgio moro preparou o caminho.

Qual é o posicionamento do PT ao respeito de um possível pedido de impeachment do presidente Bolsonaro?

A favor do impeachment. Somos a favor de qualquer possibilidade prevista na constituição de afastamento de Bolsonaro.  O que nós estamos defendendo e queremos agregar nesse processo, é que ele é afastado, a sua sucessão se de com a participação popular, ou seja pelo voto do povo.  Por isso nós estamos defendendo uma emenda constitucional que prevê a chamada de eleições, ou realização de eleições 90 dias após o afastamento do presidente da república. Qualquer que seja a modalidade de afastamento vamos lutar por essa emenda constitucional. Mas não podemos mais ter acordos por cima, onde a democracia efetiva e concreta que interessa ao povo, onde a democracia que dá acesso a dignidade da vida, a comida, ao trabalho, ao emprego, a renda, não está efetivada. Nós queremos isso.

Como vê o futuro do país após a pandemia? 

Luto para que seja o desembarque do neoliberalismo. Que a gente tenha um outro projeto de desenvolvimento inclusivo que ataque a desigualdade, que melhore a vida da grande maioria do povo brasileiro.

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