As economias latino-americanas se mantiveram bem no ano passado, apesar dos choques da invasão da Ucrânia pela Rússia e dos aumentos globais das taxas de juros. Em 2022, a economia da região cresceu quase 4%, o emprego retomou fortemente e o setor de serviços se recuperou dos danos causados ​​pela pandemia.

As pressões inflacionárias estão diminuindo em muitos países, graças a ações imediatas e decisivas dos bancos centrais e ao declínio dos preços globais de alimentos e energia. No entanto, o núcleo da inflação (ou seja, excluindo alimentos e energia) permanece alto: em torno de 8% no Brasil, México e Chile (e um pouco mais alto na Colômbia, mas mais baixo no Peru).

Com o recente triunfo do candidato à presidência da Colômbia, Gustavo Preto, aumenta o número de governos de esquerda e, com isso, a especulação sobre uma nova maré rosa na América Latina. Agora, a questão é se este será um processo que se manterá a médio ou longo prazo, ou se sofrerá apenas oscilações pendulares na região.

A maré rosa foi uma onda de governos de esquerda que começou em 1998 com a vitória de Hugo Chávez, na Venezuela, e continuou mais tarde com a ascensão ao poder de candidatos como Luiz Inácio Lula da Silva no Brasil, Tabaré Vázquez no Uruguai, Evo Morales na Bolívia, Néstor Kirchner na Argentina, Rafael Correa Delgado no Equador, Daniel Ortega na Nicarágua, Fernando Lugo Méndez no Paraguai e Mauricio Funes Cartagena em Honduras. Ela foi nomeada de forma a indicar a “moderação” de suas ideias em relação ao comunismo, cuja cor representativa era o vermelho.

Essa primeira onda surge como resultado do descontentamento popular com os resultados das mudanças sociais, econômicas e políticas causadas pelas medidas neoliberais do Consenso de Washington. Aqueles que conseguiram unir as reivindicações e liderar os protestos da população chegaram ao poder buscando romper com tais políticas econômicas. Apesar das diferentes nuances, os governos de esquerda viram um interesse comum em tomar medidas para reverter o aumento da pobreza e das desigualdades socioeconômicas, por meio de uma maior intervenção do Estado no mercado, bem como mudanças na redistribuição da riqueza. Além disso, buscavam melhorar as oportunidades de grupos desfavorecidos e oferecer-lhes proteção social contra as inseguranças impostas pelo mercado (Roggeband, C. 2021).

Graças aos preços recordes das matérias-primas que lhes deram condições econômicas ideais, os governos puderam realizar muitas das ideias propostas em cada país. (Badia e Dalmases, F. 2018). Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, o número de brasileiros vivendo na pobreza caiu 19,18%, entre 2003 e 2005, nos três primeiros anos do governo Lula. Já na Argentina, segundo dados do Instituto Nacional de Estatísticas e Censos (Indec), em 2006, a pobreza caiu de 44,3% para 31,4% em relação ao primeiro semestre de 2004, sob Néstor Kirchner.

Essa primeira maré rosa foi seguida por um curto período com governos de direita, embora não tão marcantes, e sobre os quais não entraremos em detalhes. No entanto, nos últimos tempos, você pode ver uma tendência crescente de optar por governos de esquerda novamente. Mas como explicar o declínio da direita?

Os partidos de direita que governaram a região sofreram uma perda de apoio acentuada e generalizada nos últimos tempos. Embora alguns países, como Argentina e Venezuela, já estivessem em crise antes, a mudança na tomada de decisão do eleitor é explicada em grande parte pela revolta da população diante da agitação social e econômica causada pela crise de saúde causada pelo Covid-19 e pela tensão sobre a guerra russo-ucraniana, que atingiu o mundo todo. A inflação, os longos períodos de isolamento preventivo, o aumento da pobreza, a falta de vacinas e os milhares de mortos são apenas algumas das consequências.

Apesar da ascensão ao poder, os novos governos de esquerda já assistem a conflitos internos em seus territórios que colocam em xeque uma permanência prolongada no poder. Gabriel Boric, o jovem presidente de esquerda do Chile, que mal chegou ao poder em 11 de março, teve que enfrentar a rejeição da nova Constituição no plebiscito realizado em 4 de setembro. Alberto Fernández, atual presidente da Argentina pela Frente de Todos, também vê uma reeleição difícil depois que sua imagem pública declinou após escândalos internos da coalizão e inflação imparável. Pedro Castillo, presidente do Peru, foi vítima de repetidas tentativas de impeachment após ser acusado de corrupção e ineficiência.

A verdade é que os presidentes do Chile e do Peru viram seus índices de legitimidade desmoronar em questão de meses. Na Argentina, líderes de esquerda veem poucas esperanças de reeleição, enquanto no Brasil o futuro ainda é incerto. Diante dessa situação, um período complexo se aproxima para as democracias latino-americanas, no qual a força de suas instituições será crucial para superar a crise política, social e econômica que atravessam.

A vitória de Alberto Fernández na Argentina sobre o então presidente Mauricio Macri marcou o início de uma série de derrotas para a direita no resto da região. O líder da coalizão Cambiemos havia chegado ao poder em dezembro de 2015, encerrando 12 anos de governos Kirchner. Antes de assumir a presidência, o centro-direita prometeu corrigir o déficit fiscal, reduzir a inflação e zerar a pobreza. No entanto, segundo estudos do Centro Estratégico Latino-Americano de Geopolítica (Celag), tais promessas estavam longe de se concretizar.

A inflação acumulada em 2019 registrou 53,8%, o maior nível em 28 anos, conforme informou o Indec e, desde sua posse até pouco antes do final de seu mandato, a cotação do dólar caiu de 9,85 pesos para 62,9 pesos, o que equivale a um aumento de 539% em quatro anos de gestão. Somado a isso, a taxa de desemprego, segundo vários organismos internacionais como o Fundo Monetário Internacional (FMI), o Banco Mundial ou a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), chegou a 10,1% no segundo trimestre de 2019. Nesse contexto, o empréstimo ao FMI de mais de US$ 50 bilhões acabou prejudicando sua imagem pública.

A nova esquerda chegou ao poder em um contexto global complexo que limita seu campo de ação em comparação com os governos da primeira maré. Os recém-chegados não desfrutam da bonança econômica que seus antecessores desfrutaram graças ao boom das commodities, enfrentando assim o desafio de como financiar as reformas propostas.

Por outro lado, muitos dos governos não têm grandes maiorias no Congresso, então terão que fazer concessões e chegar a acordos para conseguir a tomada de decisões.

Com a deterioração da imagem pública dos dirigentes e a crise de representatividade que atinge o sistema político, parece que nenhum partido, independentemente da sua ideologia, tem uma permanência cem por cento garantida no poder. É necessário mencionar que no ano em que teria começado a guinada à esquerda, houve também a vitória dos direitistas Abdo Benítez, no Paraguai, e Jair Bolsonaro, no Brasil, dois anos depois a de Lacalle Pou, no Uruguai, e, em 2021, Guillermo Lasso, no Equador.

Por essas razões é prematuro pensar no fenômeno da nova esquerda na região. Os governos devem resolver rapidamente os problemas que afetam seus territórios para recuperar o apoio da população se quiserem permanecer no poder por períodos mais longos. Resta saber o que acontecerá nas eleições no Brasil e na Argentina para saber como ficará o quadro político da América Latina.

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