Homenageado na CineOP, Alê Abreu fala sobre seu trabalho na animação e dá detalhes sobre o bem-sucedido ‘O menino e o mundo’
Cineasta conversou com a Cine NINJA durante a programação do evento mineiro
Por Ben Hur Nogueira
Durante a 19ª Mostra de Cinema de Ouro Preto, tive o privilégio de entrevistar o cineasta e animador brasileiro Alê Abreu, que dirigiu filmes como “Perlimps” e “O menino e o mundo”, além de ter sido o nome homenageado nesta edição do evento.
Durante nossa conversa, falamos sobre elementos de sua carreira e do próprio “O menino e o mundo”, que foi uma das minhas maiores alegrias da Mostra como um todo. Já assisti “O menino e o mundo” em uma sessão periférica que ocorreu na minha rua, em 2015, projetada por um projetor comunitário, e conversar com ele foi decerto surreal, sabendo do impacto do seu filme na minha vida.
Ben Hur (Cine NINJA): Eu cresci assistindo “O menino e o mundo” e era diferente das outras animações mostradas, pois apresenta uma linguagem diferente. Como foi esse desenvolvimento?
Alê Abreu: Eu considero a cultura muito importante, esse elo que nos liga ao futuro e quando penso na minha construção, seja no “O menino e o mundo”, ela encontra um sentido quando penso no futuro. Falando de “O menino e o mundo”, eu tenho um processo de trabalho que chega uma hora onde o projeto que manda na gente, os filmes mandam em mim, sempre fico imerso em um lugar caótico e o desafio é ficar neste lugar a maior parte do tempo, onde sairão as respostas menos óbvias, de questionamentos que levantamos. E a referência já vinha de um documentário chamado “Canto latino”, e ao encontrar a figura desse menino em um de meus cadernos, resolvi colocá-lo em cena e se tornou um personagem que logo ganhou vida e coube-me dar as mãos a este menino e descobrir o que ele queria me contar. Falando da língua ao contrário e do projeto como um todo, era na verdade o menino me contando a história o que foi a coisa mais rica do processo, que eu vivi só uma vez durante toda minha vida como criador de animação.
BH: O filme traz uma linguagem muito universal, pois é um menino brasileiro que lida com este êxodo rural. Queria que você desse seu ponto de vista sobre o relacionamento do menino e seu pai. O que é a metáfora do pai do menino?
AA: No meio do desenvolvimento do documentário, onde eu lia muito sobre histórias da América latina e a chegada deles no mundo neoliberal, onde era economicamente aberto e para os produtos mas fechado para as pessoas socialmente, e até dialogando com outros filmes da história do cinema latino, como que a figura do pai era importante como uma pátria, e como que a ausência de um pai metaforicamente nos faz, ou seja, somos todos filhos órfãos de uma pátria que nos dê paz para este mundo globalizado. Era o caminho mais óbvio para o menino pois era um menino sem pai, e numa sociedade patriarcal, o menino não tinha uma bússola.
BH: Cresci escutando a canção “Aos olhos de uma criança”, posso dizer que é uma das minhas músicas favoritas, tanto pela sensibilidade do Naná Vasconcelos, quanto do Emicida, pois o Emicida faz retrospectos da própria animação. Como foi para você trabalhar com o Emicida para a criação da música?
AA: Sou muito tocado pela música, crio muito a partir da música, de sensações que não sei explicar, e que a música nos traz, a música é capaz de nos levar a um lugar onde a razão não funciona, ela é capaz de tirar a gente para um sentimento mais puro e inexplicável, e trabalhei com “O menino e mundo” com essa tentativa que não fosse mediada pela razão, um filme realizado da maneira mais livre que eu conseguisse, um grito diante das coisas que eu sentia que vem do mundo e entra na gente como artistas e são devolvidas no outro lado como expressão. A música deixou claro que o filme seria musical, a presença da música é muito forte no filme, o filme não é pra ser muito entendido, ele deve ser mais sentido, gosto quando tem em telespectadores uma visão ativa, o filme não dá a palavra final, é o mediador de um pensamento de um onde e quando existe. Naná é um sentimento de fincar os pés no chão como se saíssemos de uma sessão de psicanálise, onde as ideias todas estão voando e você tem que ir pra rua para aquelas ideias se conectarem com a realidade que você vive, e a ideia no fim do filme, eu queria uma música que dialogasse frontalmente com seu tempo e botasse seu pé no chão, e na hora foi o rap. E logo escolhemos o Emicida, que sai de um lugar de raiva onde a raiva manda mais mas recentemente com seu trabalho em “Amarelo”, ele vem de uma maneira mais amorosa, que é o que o artista faz com o que ele tem, o poder que a arte tem de mudar o próprio artista.
BH: Uma coisa que me encanta em “O menino e o mundo” é o repertório artístico que o menino enfrenta. Seu primeiro trampo no cinema brasileiro foi “O garoto cósmico”, depois “O menino e o mundo”, e o recente “Perlimps”, e tanto O garoto cósmico” e “Perlimps”, trabalham com um tipo de animação ortodoxa, mas quando “O menino e o mundo” vai para o Oscar, ele enfrenta uma indústria. A minha pergunta é: “O menino e o mundo” traz uma animação simples, mas rica em termos de linguagem e ele bate de frente com animações do mundo todo, o que você acha disso?
AA: O filme não foi pensado como uma maneira de atender o mercado, essa maneira é bem grave pois o mercado atende a esfera pública, e sobra pouco espaço para questões da vida, questões filosóficas, nessa prateleira que virou a esfera pública, tem pouco espaço para o que não é formatado para vender, e quando chegamos na grande festa da indústria, com um filme radical feito sem as questões tecnológicas do 3D, um monte de papel branco parecendo, um boneco de palito e um diálogo em português feito de trás pra frente, o filme ali era o “monstrinho” perto das outras produções. A sensação que tive foi de quase um grito da própria animação por liberdade, e é a liberdade que o cinema independente deseja, ter um lugar com outras vozes, que é a coisa mais rica da arte.