Por Lilianna Bernartt

Não há quem goste de cinema nacional que não conheça “O Lobo Atrás da Porta”, filme de 2013, dirigido por Fernando Coimbra. O filme, que mantém seu sucesso e atualidade, foi o responsável à época de seu lançamento, por despontar o diretor para o mercado internacional, período em que dirigiu diversas e gigantescas produções, dentre elas, os seriados “Narcos” (Netflix) e “Perry Manson” (Max).

Depois de anos sem filmar no Brasil e em português, Coimbra volta em grande estilo com “Os Enforcados”, fazendo “o que” e “do jeito que gosta” para construir uma digna fábula shakespeariana do subúrbio carioca.

No filme, Valério (Irandhir Santos) e Regina (Leandra Leal) formam um casal que vivem confortavelmente na Zona Oeste do Rio de Janeiro, graças ao império do jogo do bicho construído pelo pai e pelo tio dele. Valério, que acredita ter mantido suas mãos limpas, precisa lidar com as pendências de sua família, em um meio que obedece a leis próprias. Incentivado pela ambiciosa mulher, ele tenta uma jogada que ambos consideram infalível.

“Eu queria fazer um Macbeth misturado com os Irmãos Cohen. Mas queria que a história fosse contada sob o ponto de vista de Lady Macbeth”, disse Fernando com o sorriso de quem reconhece a audácia da ideia. 

Ambas as referências do diretor abordam trajetórias de escalada de ambição e poder, e a ambiguidade do ser humano que, em meio a esse jogo de ganância, acaba se perdendo em suas próprias ações. Aliás, nesse ponto, a estrutura narrativa de “Os Enforcados” se relaciona com “O Lobo Atrás da Porta”, como diz Fernando: “Não tem bem e mal. Eles mesmos são seus piores antagonistas, cruzam um limite que não deveriam e que vai levá-los à ruína”.

Referências à parte, Fernando Coimbra constrói uma boa e complexa tragédia à brasileira, com ótimas doses de humor ácido, que ressaltam os absurdos naturais do universo corrupto em que as personagens habitam. 

O diretor repete a parceria de sucesso com Leandra Leal, que interpretou Rosa em “O Lobo Atrás da Porta”, e inicia uma outra parceria tão bem sucedida quanto com Irandhir Santos. Os dois, juntos, são os responsáveis pela construção e desconstrução simultânea e até mesmo concomitante, por vezes, de seus personagens. 

Poderíamos pensar que “se melhorar estraga”, mas de fato, essa expressão não se aplica  a ousadia e ao talento de Fernando Coimbra que, para fechar esse combo de sucesso, ainda traz o veterano ator Stepan Nercessian e uma de nossas damas da dramaturgia, a atriz Irene Ravache, que brilha em um papel surpreendente dentro dessa dinastia subversiva.

Apesar de tratar de um universo com muita brasilidade, o diretor consegue expandir a narrativa de forma universal, justamente pela construção complexa e ampla de suas personagens, características milimetricamente apuradas na atuação do elenco.

Em 2015, o roteiro passou pelo Laboratório de Sundance, sendo premiado dois anos depois com o Sundance Global Filmmaking Awards, de reconhecimento e apoio a cineastas independentes emergentes. Os trabalhos fora do Brasil e a pandemia adiaram as filmagens, mas Fernando Coimbra nunca parou de trabalhar no roteiro. “Eu tinha vontade de refletir o momento que a gente estava vivendo, que foi ficando cada vez mais louco. Eu precisava constantemente adaptá-lo para aquele sentimento de absurdo.”

Dez anos depois de sua estreia no Festival de Toronto, Fernando Coimbra retorna ao prestigiado festival canadense para o lançamento mundial de “Os Enforcados”, nesta sexta-feira, 6 de setembro. O longa-metragem será exibido na mostra Special Presentations (“Apresentações Especiais”), que reúne produções aguardadas de cineastas de primeira linha, incluindo possíveis candidatos ao Oscar. O que podemos afirmar com absoluta certeza é que, vindo de Fernando Coimbra, Toronto vai ferver com essa tragicomédia carioca/mundial.

Conversamos com o diretor sobre os bastidores, referências, processo criativo e curiosidades deste filme e também de sua trajetória, no geral. Confira a íntegra do papo abaixo: