Por Ricardo Carvalho

Adaptação do livro inglês “Slam”, de Nick Hornby, “Derrapada” é um coming of age* brasileiro que conta a história de Samuca (Matheus Costa), um artista e skatista de 16 anos. O rapaz é convocado para ser grafiteiro do mural de uma ocupação estudantil contra o projeto de lei Escola sem Partido e o Teto de Gastos, ainda em 2016. Na escola, Samuca conhece Alicia (Heslaine Vieira), por quem se apaixona e se entrega em uma intensa paixão.

Essa paixão adolescente, recheada de sexo e daquela quase incessante necessidade de viverem cada segundo da vida juntos, começa a afetar a vida pessoal dos dois, principalmente quando, por um descuido (trocadilho do título), Alicia acaba grávida. O talvez muito longo primeiro ato se encerra com o desespero dos dois adolescentes, escancarando justamente o principal conflito do filme: gravidez na adolescência e seus desdobramentos.

O roteiro adaptado por Ana Pacheco e Izabella Faya, com colaboração do diretor Pedro Amorim, lida com a questão da gravidez na adolescência de forma bem “pé no chão”. O tema é conduzido e equilibrado na corda bamba, nunca caindo para a romantização e nem para a demonização. Para isso, circula por outros assuntos que circundam a questão, como redes de apoio, sonhos profissionais, amizade e até mesmo política. A inesperada gravidez vai afetar sua vida? Com certeza. Mas é o fim do mundo? Nem sempre.

Ao contrário de muitos outros filmes brasileiros recentes, “Derrapada” aborda seu tema e seus subtemas através da empatia com todas suas personagens e evita, de forma brilhante, as frases feitas do Twitter e um discurso de panfleto. Ao tratar dos personagens e suas lutas, a abordagem empática traz para a obra um enorme potencial de alcance. Contudo, isso faz saltar aos olhos a fraca distribuição pelas salas de cinema do país – problema insistente do “fazer cinema” no Brasil.

Essa aproximação dos personagens é sutilmente conduzida pelas decisões da direção de Pedro Amorim com escolha por planos mais fechados nos transportando quase para dentro das personagens. Além disso, o filme usa bem alguns recursos da linguagem audiovisual, como quando Samuca caminha no sentido contrário de uma maré de alunos deixando a escola, ou quando ele mesmo corre em disparada da direita para a esquerda do quadro ao saber que Alicia entrou em trabalho de parto. São nesses singelos detalhes que sentimos bem as angústias e alegrias de Alicia e Samuca.

A crítica fica para a escolha das cores, não consegui entender o sentido da escolha das poucas cores na trama. Não que tenha atrapalhado a experiência ou a abordagem aos temas, mas alguns detalhes podem passar despercebidos, eu só fui reparar direito na relevância do cabelo colorido da Alicia quando uma outra personagem verbaliza isso no filme.

O elenco sustenta bem a difícil tarefa de tratar de um assunto extremamente delicado. Matheus Costa encarna bem Samuca, um rapaz meio perdido, onde tudo ao redor parece “muita areia para seu caminhão”. Nanda Costa como Melina, a jovem mãe de Samuca que também engravidou na adolescência, dá um show de ternura e preocupação em doses certas. Augusto Madeira como David, o pai de Samuca, abraça bem o contraponto de Melina, ao mesmo tempo que forma uma dupla de alívio cômico com Leandro Soares, na pele de Coelho, o amigo vacilão de Samuca.

Mas é Heslaine Vieira como Alicia quem rouba a cena. A forte, politizada e “mina preta” é também, “apenas” uma mina de 17 anos. Heslaine carrega em si, como bem diz o pai Roberto, interpretado por Luís Miranda, o que significa ser uma adolescente preta grávida no Brasil. A perícia com que a atriz transita entre os vários lados da sua personagem, ora à frente de uma ocupação política, ora entregue à paixonite da idade e ora como uma adolescente preta que sofre com as expectativas e a dureza da família e da sociedade, é de tirar o chapéu.

Luís Miranda e Heslaine Vieira. Foto: Divulgação

A animada e bem escolhida trilha sonora compõe bem o tom junto com as locações que mostram, principalmente, o subúrbio do Rio de Janeiro. Especial destaque para o Parque de Madureira e sua pista de skate, onde Samuca passa tantos momentos de sua vida. Por fim, o filme também inclui trechos de uma ótima animação, para demarcar passagens de tempo durante a descoberta do amor e da gravidez de Alicia

Enfim, por todos esses aspectos, acredito que Derrapada seja um dos melhores, se não o melhor, coming of age do Brasil. O filme tem um potencial enorme de alcance de público e trata de um assunto delicado, e sempre presente em nossa sociedade, de forma madura e empática com texto, direção e elenco afinadíssimos.

“Derrapada” estreou dia 22 de junho de 2023 nos Cinemas. A produção é da 3 Tabela Filmes, com coprodução da Globo Filmes, Camisa Listrada BH e Telecine, e distribuição da Manequim Filmes.

*Produções de gênero coming of age narram uma história sobre amadurecer. Sendo este um gênero tanto da literatura quanto do cinema e televisão. Neles, o enredo gira em torno da juventude e, ao mesmo tempo, vamos acompanhando este crescimento. (via Cinema e Pipoca)

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