Foto: Daniel Marenco

O Brasil vive hoje as drásticas consequências do resultado de eleições vencidas à base de duas ordens de trapaças: 1) judiciais; e 2) digitais. A série de reportagens intitulada “As mensagens secretas da Lava-jato” (ou, simplesmente, #VazaJato) tem se encarregado de revelar o primeiro conjunto de trambiques. A CPMI das Fake News, recém instalada no Congresso Nacional, poderá forçar Steve Bannon – da Cambridge Analytica – e outros envolvidos a explicar o segundo grupo de fraudes.

Para além do legítimo e necessário combate à corrupção, a Lava-jato atuou, de forma deliberada, para incutir no imaginário coletivo da população o sentimento de criminalização da política, criando, em contraponto, uma aura de heroísmo em torno de seus membros. De outra banda, mas de modo complementar, a ação da milícia digital bolsonariana foi e tem sido decisiva para direcionar esse ódio e decepção das pessoas para com a política a tudo que se relacione, ainda que indiretamente, com o campo do pensamento mais progressista e de esquerda.

Para o primeiro intento (criminalizar a política), a Lava-jato se escorou em forte estrutura de propaganda, com suporte de veículos da grande mídia, obtendo apoio da massa a sua “causa” (em princípio, justa) ainda que, para isso, fizesse uso de toda a sorte de violações de direitos e garantias fundamentais e prerrogativas processuais de seus investigados, indiciados e réus. A tal demonização foi atingida, portanto, pela via oblíqua da judicialização da política e da politização da justiça.

Para o segundo intento (direcionar a criminalização da política para a esquerda e colher dividendos eleitorais com isso), a milícia digital bolsonariana, se aproveitando desse sentimento decorrente da propaganda lavatista, fez uso da tática de disseminação digital, em massa, de fake news, prática realizada com a ajuda de equipamentos e softwares que disparam, simultaneamente, milhares de mensagens a usuários previamente identificados como suscetíveis a nelas acreditar.

Sobre esse tema, quem ainda não assistiu ao documentário “Privacidade Hackeada” deve assistir e descobrir como a inteligência artificial e os algoritmos usados para tratar big data contribuíram para influenciar os eleitores suscetíveis e, assim, direcionar o resultado do plebiscito do Brexit, na Inglaterra e a eleição de Donald Trump, nos EUA. Uma verdadeira trapaça digital, tramoia muito semelhante àquela usada por Jair Bolsonaro, aqui no Brasil.

Mas, as semelhanças entre lavajatistas e milicianos bolsonaristas não param por aí. Não bastasse a influência nas eleições, o conjunto da obra realizado pela Força-tarefa da Operação Lava-jato é responsável pela paralisia de setores importantes da indústria nacional. Vejamos:

As ações da Lava-jato junto as construtoras não só levou seus dirigentes à prisão. Elas foram responsáveis por um efeito colateral perverso e não sopesado pelos membros da Força-tarefa: a suspensão ou mesmo cancelamento de centenas de contratos, levando a paralisação de obras e, via de consequência, a demissão de milhares de trabalhadores. Isso aconteceu não só com as grandes empreiteiras/construtoras nacionais, mas também com a indústria da construção naval e com várias empresas cuja única razão de existir era o fato de que eram fornecedoras da Petrobras.

Já em 2015, segundo ano da Lava-jato, estimava-se que entre cancelamentos, suspensões e/ou paralisações de contratos e negociações, decorrentes dos desdobramentos da Operação, as perdas chegaram a monta de R$ 142,6 bilhões (o equivalente a 2,5% do PIB). Houve uma redução de 1,9 milhão de empregos diretos e indiretos, uma queda de R$ 22,4 bilhões em salários e uma diminuição de R$ 9,4 bilhões em arrecadação de impostos

De outra banda, os recursos recuperados por intermédio, dentre outras medidas, dos acordos de leniência são da monta de R$ 14 bilhões. Sendo assim, a soma dos recursos desviados pela corrupção do Petrolão com o montante de dinheiro recuperado são bastante inferiores a monta de recursos que o país deixou de gerar e arrecadar com a quebradeira e a desvalorização dos ativos das empresas estatais e privadas. Ou seja, os Boys-magia da República de Curitiba fizeram como no ditado popular: jogaram fora o bebê, junto com a água suja do banho.

Prejuízos semelhantes a economia nacional são gerados a partir das declarações desastrosas de Bolsonaro. Conforme já havia assinalado em artigo anterior, desde o início deste governo, o Brasil vem sofrendo duras sanções comerciais de diferentes países por conta de falas sem propósito do presidente e de membros de seu governo: primeiro foi a soja, boicotada pelos chineses; depois foi a vez do frango e da carne halal, uma retaliação dos países da Liga Árabe; em seguida, Noruega e Alemanha decretaram a suspensão dos repasses para o Fundo Amazônia; a Finlândia também pediu boicote à carne brasileira; França e Irlanda passaram a se opor ao acordo entre a União Europeia e o Mercosul; e a questão das queimadas na Amazônia foi levada ao debate no encontro do G7 por líderes franceses e canadenses.

Enquanto tudo isso acontece, Bolsonaro quebra a tradição e indica nome fora da lista tríplice para a Procuradoria Geral da República, do Ministério Público Federal. No mesmo sentido, manipula para mudar a direção da Polícia Federal, em movimentos que apontam na direção de tentar blindar o senador e filho Flávio das investigações que ligam ele e a família Bolsonaro inteira com a prática de “mensalinho”, emprego de assessores fantasmas, Queiroz, milicianos do Rio das Pedras, assassinato de Marielle Franco, dentre outros crimes.

Além dos fortíssimos indícios de envolvimento com práticas ilícitas diversas, o presidente segue com sua profusão diária de bobagens: da primeira dama francesa, Brigitte Macron, a alta comissária de direitos humanos da ONU e ex-Presidente do Chile, Michele Bachelet, ninguém escapa de suas ofensas gratuitas, que causam incidentes diplomáticos a cada declaração.

O dom de proferir bobagens e ataques a democracia não é exclusivo do Presidente, que acabou de concluir mais um desses episódios em recente discurso na abertura dos trabalhos da Assembleia Geral da ONU: seu filho Carlos afirmou, recentemente, que o Brasil não terá transformação rápida “por vias democráticas”. À tal declaração se seguiu uma outra, semanas depois, bombástica: a revelação do ex-procurador Geral da República, Rodrigo Janot, de que teria entrado armado no Supremo Tribunal Federal, disposto a assassinar o ministro Gilmar Mendes para, depois, cometer suicídio. Coisa de cangaceiros, de pistoleiros, de jagunços, de gangsters. Alguém sem o mínimo de equilíbrio emocional ocupou, por anos, o principal cargo do MPF. E coordenou a Lava-jato.

A pergunta que não quer calar é: até quando vamos permitir que a Força-tarefa da Lava-jato e a família Bolsonaro e seus milicianos, reais e virtuais, prossigam destruindo nosso país?

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