Por Lohuama Alves

Com uma carreira consolidada no teatro e no audiovisual, Nicole Cordery se destaca não apenas por suas atuações premiadas, mas também pelo engajamento na luta pelos direitos da classe artística. Aos 50 anos, a atriz vive uma fase intensa de trabalho e militância, lançando novos projetos e ampliando sua voz em defesa da valorização dos artistas no Brasil.

Nicole é uma artista que se reinventa. Nos últimos anos, protagonizou e coproduziu dois curtas-metragens premiados: Algo Sobre Ilda e Memórias de uma Canção. No primeiro, projeto em que atuou também como produtora, recebeu o prêmio de Melhor Atriz no 7º Festival de Cinema de Jaraguá do Sul, além de integrar a equipe vencedora do prêmio de Melhor Filme no Festival Monforte de Lemos (Espanha). Já Memórias de uma Canção lhe rendeu o prêmio de Melhor Atriz no GRU Film Awards, interpretando uma ex-pop-star enfrentando um processo de demência.

No teatro, Nicole mantém uma agenda intensa. Em 2025, reestreia O Exercício das Crianças e Chernobyl, além de protagonizar Desenterrando Zelda Fitzgerald — que aborda os últimos anos da icônica escritora e socialite dos anos 1920 — e uma peça inédita sobre Ruth Escobar, investigando as razões de seu “cancelamento” na história cultural brasileira.

Peça “O Exercício das Crianças”. Foto: João Caldas

Em entrevista à Cine Ninja, a atriz fala sobre os desafios da profissão, o impacto da maturidade na carreira artística e a urgência de criar novas narrativas para mulheres acima dos 50 anos.

Versatilidade

A trajetória de Nicole Cordery reflete sua versatilidade e determinação. Natural de Niterói (RJ), começou no teatro ainda criança, participando da primeira turma do Teatro Abel, fundado por Fernanda Torres. Formada pela CAL (Casa de Artes de Laranjeiras), construiu uma carreira sólida no teatro, passando por companhias como o Grupo TAPA. No início dos anos 2000, aprofundou seus estudos em Paris, onde se especializou em mímica corporal na escola Jacques Lecoq e concluiu mestrado em Estudos Teatrais com o teórico Jean-Pierre Sarrazac. Foi na França que teve suas primeiras experiências no audiovisual, atuando em curtas-metragens e séries de comédia.

No Brasil, Nicole acumulou participações marcantes na televisão e no cinema. Recentemente, interpretou Rosinha Garotinho na terceira temporada da série Dom (Prime Video), além de atuar em Biônicos, De Volta aos 15 e Sintonia (Netflix), e uma participação especial em Beleza Fatal (HBO). Protagoniza também o longa As Horas Seguintes, previsto para estrear no fim de 2025.

Para Nicole, reinventar-se é essencial para uma carreira artística bem-sucedida. Seu trabalho vai além da atuação: ela se posiciona como agente de transformação, promovendo debates sobre inclusão, oportunidades e os desafios da profissão. Para a atriz, sucesso não se mede por padrões convencionais.

“Às vezes a gente se pergunta, né? O que é ‘chegar lá’ para você?”, reflete. “Para mim, na minha trajetória e de acordo com as minhas escolhas, eu ‘chego lá’ quando faço um projeto internacional, quando sou vista por um ícone do teatro como Eugênio Barba ou quando trabalho com uma diretora sueca com quem estabeleci uma parceria de vida.”

“E agora, nesse momento, estou vivendo um ponto alto da carreira com essa peça, O Exercício das Crianças, que é teatro de guerrilha. Eu digo: a gente faz muito cinema de guerrilha, né? Mas ninguém fala que faz teatro de guerrilha. Uma peça sem cenógrafo, sem figurinista, sem iluminador, sem trilha sonora, só com duas atrizes já parrudas, né? Que trabalham há muitos anos, com uma direção incrível. E um teatro… e nada! Só a luz que acende. E a gente está lotando essa peça há cinco meses! E vamos para o Festival de Curitiba. Então, para mim, essa é a recompensa.”

Sobre a Platore

Atenta à precarização da profissão, à falta de oportunidades e ao etarismo no audiovisual, Nicole idealizou, em 2024, a Platore — uma plataforma digital gratuita voltada exclusivamente para atores e atrizes brasileiros com DRT. A plataforma foi cedida por Anderson Munhoz (fundador da Enablio, empresa de plataformas virtuais).

Em menos de um ano, a iniciativa já reúne cerca de mil profissionais, funcionando como um espaço seguro para trocas sobre testes, desafios da profissão e até denúncias de abusos. Para Nicole, a iniciativa surge como resposta à crescente desconexão na indústria.

A rede oferece grupos que abordam temas como editais, casting e audições, cursos, matérias sobre o mercado, podcasts, além de discussões sobre o SATED e trocas de serviços entre artistas com profissões secundárias.

Etarismo

Nicole também faz uma análise sobre a importância de mudar as narrativas. “Acho que, quando uma mulher de 50 anos fala que vai fazer um trabalho com uma protagonista de 50, ela está mudando o que a gente chama de roteirismo. Porque é muito difícil, né? Ninguém escreve papel para mim. Então tá. Eu escrevo.”

“Há muito tempo, a gente não via um Oscar ou Globo de Ouro disputado por tantas mulheres acima dos 50. Cate Blanchett, Nicole Kidman, Fernanda Montenegro, Fernanda Torres, Demi Moore… Eu me sinto honrada de viver esse tempo.”

“Também estamos vivendo um tempo de reparação histórica em relação às pessoas escravizadas. Eu acho isso incrível. Que bom que estou viva, que bom que estou vendo essa transformação na sociedade acontecer.”

Ela finaliza: “Se tivermos 30 projetos com mulheres batalhadoras de mais de 50 anos como protagonistas, a gente muda o jogo. Nós, atores, não fomos treinados para criar conteúdo. Fomos ensinados a interpretar. Mas hoje sabemos que podemos ocupar esse espaço também.”

“A gente pode se posicionar nas redes, com certeza. Mas também temos a função de mudar narrativas, de mostrar, através do nosso teatro, como a coisa acontece. A arte pode atuar nesse lugar de pertencimento. A loucura não nos é estranha — é a nossa humanidade. E terapia não é isso? A gente tem que falar sobre.”