
Conheça Karol Maia, vencedora do prêmio de Melhor Direção no Festival de Brasília 2025
Diretora foi premiada pelo documentário “Aqui Não Entra Luz”, que explora as marcas históricas da escravidão na arquitetura residencial brasileira e a relação com o trabalho doméstico
Por Christina Gonçalves
Filha de dona Miriam e de seu Noé, Karol Maia foi criada no bairro Vila Mara, no extremo leste de São Paulo. Boa parte da sua vida girou em torno desse lugar onde, nas palavras da própria, ela “se construiu”.
Por volta de 2010, participou de um projeto social em seu bairro, que oferecia cursos livres para jovens.
“Eu e minha amiga Fernanda Ribeiro escolhemos um curso de web TV. Na época, a comunicação pela internet estava começando a tomar forma, então ainda se chamava assim. Fizemos um piloto de programa, inspirado no Furo MTV, apresentado por Dani Calabresa e Bento Ribeiro. Nós éramos roteiristas e apresentadoras. O piloto seria exibido na Fábrica de Cultura, para todas as turmas do projeto, mas nossos professores não apareceram e nunca entregaram o material para a gente. Foi muito decepcionante, porque nunca conseguimos ver o resultado”, conta.
Pouco tempo depois, Karol e Fernanda criaram a websérie Cultura das Bordas, voltada a contar histórias do lugar onde viviam. Com o dinheiro de um edital, as amigas compraram uma câmera, uma lente, um microfone e um tripé. Graças a esses equipamentos, a diretora começou a produzir seus primeiros vídeos. No início, ela filmava, editava e também fotografava.
“Foi com essa câmera que construí minha relação com a imagem”, completa a ganhadora do prêmio de Melhor Direção no Festival de Brasília.
Mais tarde, com outras amigas, produziu uma websérie sobre mulheres negras de diferentes perfis e experiências. O projeto foi viabilizado pelo edital VAI, da Prefeitura de São Paulo, destinado a iniciativas culturais da periferia.
“Ali comecei a trabalhar de forma mais profissional, com remuneração e entregas mais estruturadas”, afirma.
O longa Aqui Não Entra Luz, premiado na edição deste ano do Festival de Brasília começou a ser idealizado há dez anos, em 2015. A produção, no entanto, só teve início em 2018.
“Durante os oito anos em que o filme foi sendo feito, também trabalhei como diretora em outros projetos e fui me formando na prática. Entendo que ainda estou em formação, mas reconheço que o cinema passou a fazer parte da minha vida com esse longa”, diz.
Atualmente, Karol Maia reconhece que o longa Aqui Não Entra Luz estava dentro dela há bastante tempo. Filha de uma ex-trabalhadora doméstica, a cineasta conta que esse trabalho atravessou sua vida e a de sua mãe.
“Minha análise crítica sobre raça, gênero e classe foi fundamental para a concepção do filme. Ele conta parte da história do Brasil também a partir da minha história com minha mãe.”
Na obra, são investigadas as formas como a arquitetura revela dinâmicas de exploração colonial, escravocrata e econômica do país. Do período colonial ao Brasil moderno, foram mapeadas formas de habitar e de organizar os espaços. A pesquisa extensa e complexa foi coordenada por Suzane Jardim, com colaboração de Isabella Santos na investigação de personagens. A diretora revela que há planos de transformar esse estudo em livro.
“Filmar em tantos lugares foi também um desejo pessoal: conhecer o Brasil para além do que minha quebrada me permitia ver. Tenho muito interesse em periferias — culturais, geográficas — porque acredito que delas surgem boas histórias e bons encontros”, completa.
Os dois prêmios no Festival de Brasília – Melhor Direção e Melhor Longa-metragem (Júri APAN e Centro Afrocarioca de Cinema) – foram muito significativos para Karol e sua equipe, que entregaram anos de vida a um projeto sem saber onde ele chegaria.
“Ganhar como Melhor Direção, em meio a cineastas tão experientes, me deixa esperançosa de que outras portas se abram. Quero que minhas histórias alcancem mais pessoas e possam ser produzidas com dignidade e investimento”, relata.
Karol destaca três projetos que considera marcantes em sua trajetória como diretora:
“O primeiro é a websérie Nossa História Invisível, um projeto importante para o meu início na direção. O segundo é a série Helipa — um autorretrato, que dirigi para a MTV no ano passado. Misturava música e periferia, e me conectou com a Karol adolescente. O terceiro é Mães do Brasil 2, que dirigi para a TV Globo. Foi uma experiência de alcance gigantesco: mais de 15 milhões de espectadores.”
A diretora diz ainda que segue aprendendo muito, mas ressalta que gostaria de ter entendido antes que não há nada de errado em sustentar suas convicções e seu olhar. Hoje, afirma, sabe que é fundamental confiar no próprio trabalho.
“Dirigir é uma grande responsabilidade: o diretor acompanha o projeto do início ao fim. Estar confiante e satisfeito com o que se faz é indispensável para acreditar no próprio filme”, completa.
Para finalizar, Karol deixa um recado aos cineastas iniciantes que sonham em construir uma carreira no audiovisual:
“Confie nas histórias que você quer contar, escute as pessoas com mais experiência e, sempre que possível, se divirta!”, conclui.