Chica Andrade analisa a representação trans no cinema e destaca filme sobre Erika Hilton
Cineasta aborda desafios estruturais, avanços das narrativas LGBTQIAPN+ e a importância de contar a trajetória de uma das figuras políticas mais influentes do país
Por Sé Souza
A presença de pessoas trans no audiovisual brasileiro passa por um momento de expansão ao mesmo tempo em que enfrenta retrocessos e resistências, movimento que evidencia o quanto a disputa por narrativas e por espaços de criação ainda é urgente no país que segue liderando índices de violência contra pessoas trans.
Nesse cenário, a cineasta Chica Andrade se firma como uma das vozes mais relevantes da nova geração, construindo uma trajetória que combina formação sólida, reconhecimento internacional e compromisso político com a ampliação de horizontes para corpos dissidentes no cinema. Em conversa exclusiva, Chica falou sobre sua carreira, as barreiras estruturais que persistem no setor e o status de seu projeto mais aguardado: o longa de docuficção “House of Hilton”, que retrata a vida da deputada federal Erika Hilton, que celebra aniversário nesta terça-feira, 9 de dezembro.
Ao refletir sobre sua entrada e permanência no audiovisual, Chica destacou como a luta por representatividade é atravessada por cinco séculos de violências:
“As violências cometidas desde Chica Manicongo, travesti perseguida pela Inquisição, até hoje, com Erika Hilton, que não é perseguida por ser de esquerda ou socialista — antes de tudo, ela é perseguida por ser travesti”.
Durante a entrevista, ela celebrou o encontro entre duas travestis em posições de protagonismo — diretora e jornalista —, ressaltando o simbolismo do momento: “Isso diz muito sobre o quanto avançamos na marra, na força, no esforço. Mas ainda com muitas restrições e limitações”. Para ela, apesar dos progressos, ainda é preciso constantemente reafirmar sua legitimidade dentro da indústria: “Eu ainda tenho que justificar minha presença quando o espaço é sobre mulheres no audiovisual”.
O impacto de Chica no cinema ganhou projeção internacional a partir do curta “Estamos Todos Aqui”, premiado 42 vezes e elegível ao Oscar em 2018. Desde então, ela integrou programas como a Rede Paradiso de Talentos, a Rede Afirmativa Spcine, o laboratório Trans Possibilities do Sundance Film Festival e o American Film Showcase da USC.
Agora, dedica-se quase integralmente à realização de “House of Hilton”, projeto que, segundo ela, exigiu a reinvenção de sua própria vida. “Eu tive que me moldar para dar conta desse filme. Não só porque Erika é deputada e trans, mas porque estamos falando de uma travesti negra. Muita gente teve medo de entrar nesse projeto”, contou.
Com dificuldades de financiamento no Brasil, Chica buscou suporte internacional: “Não entrou um centavo brasileiro. Precisei aprender inglês, depois espanhol, e agora francês, porque provavelmente a França será a responsável por nos ajudar a finalizar o filme”.
Para ela, é necessário não só registrar a realidade dura vivida por essa população, mas também expandir o imaginário: “Eu adoraria criar uma ficção em que Erika já fosse presidenta. É a minha utopia. A verdade deve ser dita, claro, mas também precisamos imaginar onde queremos chegar”. Entre seus próximos projetos estão uma ficção científica sobre Chica Manicongo e um filme sobre Pepita, além do lançamento de sua produtora, Paju Entretenimento.
Confira o papo completo, em vídeo, abaixo:



