Brejo da Madre de Deus: a capital agroecológica de Pernambuco
Desde 2012, o município de Brejo da Madre de Deus, no Agreste Central de Pernambuco, região semiárida, é considerado pela lei [Nº 14.612] a capital agroecológica do estado.
Desde 2012, o município de Brejo da Madre de Deus, no Agreste Central de Pernambuco, região semiárida, é considerado pela lei [Nº 14.612] a capital agroecológica do estado. Suas características geográficas e climáticas aliadas à forte atuação das entidades da sociedade civil na gestão compartilhada junto ao poder público possibilitou uma série de iniciativas na perspectiva do desenvolvimento rural sustentável na região. Essa é mais uma experiência identificada pela campanha Agroecologia nas Eleições, promovida pela Articulação Nacional de Agroecologia (ANA) em todo o país.
Nas duas últimas décadas, as organizações da sociedade civil contaram com apoio de algumas gestões, sobretudo na Secretaria Municipal de Agricultura, mais alinhadas com as pautas da agricultura familiar e da transição agroecológica. Os cursos de formação desenvolvidos por ONGs e entidades de classe, como a Federação dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura do Estado de Pernambuco (Fetape), além de cursos acadêmicos nas universidades da região, contribuíram para a capacitação de novas lideranças que tiveram importantes papéis nesse processo de fortalecimento do desenvolvimento rural sustentável no município. O Conselho de Desenvolvimento Sustentável de Brejo da Madre de Deus (Condesb) tem sido um importante espaço de interlocução entre os diferentes atores da sociedade civil e da prefeitura na construção de políticas públicas para o setor.
Segundo Adelson Freitas Araújo, vice presidente da Fetape e ex-vice-prefeito, a cidade é um grande laboratório de políticas públicas para o fortalecimento da agricultura familiar. “Através do trabalho político e social foram criadas articulações e bons ambientes de parceria. A estratégia da intersetorialidade é muito presente nas relações institucionais da sociedade civil e governamentais, com diversas secretarias se envolvendo e criando grandes interações com os agricultores. Isso gerou esse potencial no município, e também relações externas ao município, com a Fetape e o governo do estado promovendo iniciativas”, afirmou.
Brejo da Madre de Deus é o único município de Pernambuco que tem o cultivo de morango orgânico consolidado, o que se deve às condições climáticas e topográficas dos brejos, onde chove mais. Localiza-se no ponto mais alto do estado, a Serra da Boa Vista, mais conhecida como Serra do Ponto, situada no Planalto da Borborema. Lá, as/os agricultoras/es utilizam tecnologias sofistacadas, inclusive com mudas importadas da Patagônia por uma empresa do Rio Grande do Sul. O município também é caracterizado pelo alto índice de arborização, pela produção de mel e pelo turismo rural, com corredores ecológicos, trilhas e locais para a prática de esportes radicais, como a escalada em rocha.
Políticas públicas e projetos das organizações sociais
Após intensa articulação das organizações rurais locais com a prefeitura, foi elaborado, em 2013, o 1º Plano Municipal de Convivência com o Semiárido – o primeiro desse tipo no estado. Sua aprovação foi resultado de diversas conferências municipais envolvendo múltiplos atores na perspectiva da criação de uma agenda agroecológica. O plano aprovado incluiu várias iniciativas, dentre elas a construção de mais de 2 mil cisternas de 16 mil litros para captação e armazenamento de água de chuva. Atualmente, o município tenta avançar na construção de cisternas com capacidade para 52 mil litros, voltadas à captação e armazenamento de água para a produção agrícola. Também foram implementadas medidas visando à redução do uso de agrotóxicos nos cultivos. Em 2000, um estudo da Fiocruz havia identificado a alta incidência de câncer na região como um problema de saúde pública decorrente dos agrotóxicos utilizados nas plantações de cenoura. Durante algum tempo funcionou também uma feira agroecológica local, semanal, que contribuiu para fortalecer as organizações. Hoje em dia, a associação de produtoras/es Terra Fértil realiza feiras em cidades vizinhas, como Caruaru (desde 2002) e Santa Cruz do Capibaribe (desde 2018).
A qualidade da alimentação entregue por meio do Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae) também já teve destaque: em 2010 ela foi reconhecida em matérias jornalísticas por conta da diversidade e riqueza nutricional, com grande variedade de frutas, hortaliças, tubérculos e legumes. À época, além de diminuir a evasão escolar e gerar renda às/aos cerca 60 produtoras/es envolvidas/os, o fornecimento da agricultura familiar ao programa aumentou significativamente a variedade de alimentos e a saúde dos alunos. Em 2019, segundo a Secretaria Municipal de Agricultura, 22 agricultoras/es familiares chegaram a entregar 40 toneladas de alimentos, alcançando o valor de quase R$ 254 mil. No ano passado também foi executado o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) pelo Instituto Agronômico de Pernambuco (IPA) e as vendas chegaram a mais de R$ 58 mil, com aproximadamente 15 toneladas de alimentos comercializadas. Os valores deste ano ainda não foram estimados, mas somente o Pnae está sendo acessado pelas organizações de agricultoras/es.
A Associação de Produtores Orgânicos Terra Fértil de Brejo da Madre de Deus foi a primeira no Brasil a ser cadastrada como Organismo de Controle Social (OCS), em outubro de 2009, pela Comissão de Produção Orgânica (CPOrg) do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA). A Secretaria Municipal de Agricultura não se manifestou sobre as políticas locais devido ao período eleitoral.
Produção de mudas e fitoterápicos no SUS
Desde 1999, o município também conta com a Sementeira Municipal Pedro Aguiar, criada em parceria com a Associação de Plantas do Nordeste (APNE), que, a partir de 2009, foi assumida pela prefeitura. A produção é feita de forma consorciada com várias espécies de árvores e fitoterápicos, gerando cerca de 20 mil mudas por ano, que são distribuídas principalmente na Feira do Verde – que se tornou uma referência territorial da agroecologia. Neste ano, o evento chegaria à sua 20ª edição, mas foi cancelado devido à pandemia e às restrições sanitárias. É um espaço importante de visibilidade da agricultura familiar local e de muitas manifestações culturais, além de incluir ações educativas e atividades com os alunos do município. A Feira é realizada pelo Conselho de Desenvolvimento Sustentável de Brejo da Madre de Deus (Condesb) e conta com o apoio de ONGs, do Banco do Brasil, do Banco do Nordeste, do Governo do Estado, dentre outras parcerias. A prefeitura é responsável pela infraestrutura, limpeza e segurança do local, que chega a receber cerca de 10 mil pessoas.
O Laboratório de Fitoterapia Alípio Magalhães Porto foi fundado em 1997 pela prefeitura com o apoio da ONG Centro Nordestino de Medicina Popular, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e da Agência de Cooperação Internacional do Japão (JICA), que prestava assessoria para prefeituras à época. Desde 2010, por meio da Portaria nº 886 do governo federal, foi incluída na sua nomenclatura o termo Farmácia Viva, por se enquadrar às normas necessárias. Com registro no Conselho de Farmácia de Pernambuco (CRFPE), possui em seu catálogo 26 produtos preparados por uma equipe técnica de cinco pessoas.
A horta de fitoterápicos fica no Sítio Jaracatiá e o laboratório na zona urbana, e é vinculado ao Sistema Único de Saúde (SUS), que prescreve medicamentos na rede municipal de saúde. A iniciativa ganhou mais força a partir de um projeto em 2012 com o Ministério da Saúde, que investiu cerca de R$ 677 mil para ampliar a experiência e realizar o Arranjo Produtivo Local (APL) de Plantas Medicinais. Neste ano, foram produzidas 13.210 unidades de produtos fitoterápicos com o apoio da prefeitura. O funcionamento da Farmácia Viva, responsável pela produção dos medicamentos, se dá a partir de demanda das unidades de saúde vinculadas ao SUS. Também são realizadas formações de agricultoras/es sobre a extração correta das partes das plantas nativas a serem utilizadas na confecção dos fármacos.
De acordo com a farmacêutica Eliane Barreta, coordenadora do Programa de Fitoterapia do Município, o projeto foi dividido em metas, que já foram quase todas cumpridas. Ele ajudou muito com o pagamento de funcionários e a manutenção da estrutura. Após algumas interrupções por conta de questões eleitorais, está ativo desde 2015 sem interrupções e aumentou seu atendimento de 8 para 13 unidades básicas de saúde da região, além dos hospitais locais, complementou. Atualmente, a Secretaria Municipal de Saúde é a responsável pelo pagamento dos funcionários contratados.
“Desde o início toda a produção da Farmácia Viva é encaminhada para as unidades de saúde, e a população tem acesso através de prescrição médica. Há mais de 20 anos cultivamos as plantas medicinais desta e de outras regiões, que têm comprovação científica e são usadas há mais de 50 anos pela população. Os medicamentos têm grande aceitação pela sociedade e todos os médicos que chegam de fora ficam apaixonados pelo projeto e pela eficácia dos remédios”, explicou.
Produção de mel
Outro produto que movimenta a economia local é a produção apícola da Casa de Mel, que foi inaugurada em 2016. O projeto, que é fruto de uma parceria entre a Caixa Econômica Federal e o antigo Ministério do Desenvolvimento Agrário, envolve cerca de 70 apicultoras/es. A prefeitura assume a responsável legal pela iniciativa, em parceria com a Associação dos Apicultores e Meliponicultores do Brejo da Madre de Deus (Brejo Mel). Entre os anos 2012 e 2019 a produção de mel na região praticamente parou devido à severa seca que ocorreu no semiárido. Mesmo assim, foram realizadas reformas na Casa de Mel e, ainda em 2016, houve processamento do produto. Agora, mesmo com as dificuldades impostas pela pandemia, a volta das chuvas permitiu a retomada da produção: em 2020 já foram entregues 600 litros de mel nas casas de 6 mil alunos, o que rendeu perto de R$ 15 mil, segundo a Secretaria Municipal de Agricultura. A Associação Brejo está pleiteando recursos em edital da Agência de Desenvolvimento Econômico de Pernambuco (AD Diper) para realizar adequações na Casa do Mel visando obter o Selo de Inspeção Estadual da Agência de Defesa e Fiscalização Agropecuária de Pernambuco (Adagro).
Edição: Flavia Londres
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