Foto: Arquivo / Associação Regional das Produtoras Extrativistas do Pantanal (Arpep)

Buscando autonomia política e econômica, um grupo de mulheres na região sudoeste do Mato Grosso se uniu para construir uma rede de extrativismo. Visando o beneficiamento dos frutos nativos, elas criaram a Associação Regional das Produtoras Extrativistas do Pantanal (Arpep), que hoje emprega 30 mulheres e produz cerca de 120 mil kg de pães e bolachas para aproximadamente 5 mil pessoas. Essa é mais uma experiência identificada pela campanha Agroecologia nas Eleições, promovida pela Articulação Nacional de Agroecologia (ANA) em todo o país.

As extrativistas da região começaram a se organizar por volta de 2003 nos municípios de Cáceres e Mirassol d’Oeste com projetos de manejo e beneficiamento de pequi, cumbaru e babaçu. No processo, foi se constituindo uma rede que, em 2009, foi formalizada na Arpep, reunindo quatro grupos. A partir da Associação, as portas se abriram para programas e mercados de alimentos da agricultura familiar e de grupos de mulheres, de modo a potencializar a geração de renda.

De acordo com Rita Julia, integrante da Associação, as dificuldades aumentaram muito com a pandemia. Mesmo assim, no ano passado e neste ano, a Arpep conseguiu comercializar através do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) – R$ 144 mil – e do Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae) – R$ 90 mil. O limite do valor anual comercializado por Declaração de Aptidão ao Pronaf (DAP), documento que viabiliza o acesso às políticas públicas, dobrou este ano para R$ 8 mil por agricultor, o que amenizou um pouco a crise, complementou a extrativista.

“Nosso objetivo não é só a produção, temos também um trabalho de conscientização das companheiras sobre os direitos das mulheres, que é muito gratificante. Nosso primeiro projeto [R$ 80 mil] ajudou muito os grupos, mas em 2018 tivemos muitas dificuldades. Ano passado, o valor do projeto era menor e ainda não entregávamos para o Pnae. Começamos agora, mas por causa da pandemia diminuiu tudo e estamos tendo muita dificuldade”, desabafou Rita.

Trabalhadoras da Associação Regional das Produtoras Extrativistas do Pantanal (Arpep)

Em geral, são produzidos pães, bolachas, mesocarpo (farinha do babaçu), óleo da castanha do babaçu e licores enriquecidos com frutos nativos, a partir de quatro unidades de beneficiamento localizadas em uma comunidade tradicional e em três assentamentos. Toda a gestão é realizada de forma participativa e deliberada em assembleia, sob coordenação de uma diretoria gerida pelas próprias mulheres. A Arpep conta com o apoio da Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (Fase), que presta assessoria e assistência técnica desde o início do projeto, na perspectiva de elaboração e execução de projetos e comercialização de produtos.

De 2009 a 2017 eram entregues bolachas e pães via PAA em quase todas as escolas e creches do município de Mirassol d’Oeste, segundo Jeane de Souza Cintra, secretária de Educação. A entrega foi retomada no ano passado com a Escola Municipal Zumbi dos Palmares, na zona rural, e com o Centro Social João Paulo II, mas devido à pandemia as entregas estão interrompidas para ambas as instituições. Há expectativa por parte da secretaria de iniciar a entrega nas casas dos alunos, mas ainda está dependendo de algumas documentações. Geralmente é feito um controle dos produtos da doação simultânea para alimentação escolar e a prefeitura fornece o transporte para as entregas, explicou Cintra.

“A cada ano que passa elas vêm melhorando a produtividade e a qualidade dos produtos entregues ao PAA. A doação para a alimentação escolar e centros filantrópicos é de extrema importância, pois são alimentos ricos em vitaminas, minerais e fibras. Além disso, as mulheres valorizam uma alimentação saudável e estimulam o consumo de alimentos da região”, destacou a secretária.

Produtos na Feira Municipal de Cáceres (MT).

Além das políticas públicas, as mulheres também comercializam em feiras e sob encomenda. Uma distribuidora de plantas medicinais em Cuiabá, por exemplo, compra o floco do babaçu e alguns outros produtos. A seca e as queimadas prejudicaram muito a produção, mas agora está voltando a chover e elas acreditam que, com isso, vai melhorar um pouco. Muitas delas, antigamente, tinham que acordar de madrugada para cortar cana. Hoje, conseguem ter mais qualidade de vida e renda para o sustento da família. A Associação é uma das referências na produção sustentável de alimentos no estado e já recebeu, em 2013, da extinta Secretaria de Políticas para as Mulheres, da Presidência da República, o prêmio “Mulheres Rurais que produzem o Brasil Sustentável”. Elas já apareceram em várias reportagens jornalísticas, inclusive no programa da Ana Maria Braga.

“Muitas vezes, o trabalhador e a trabalhadora não são valorizados. O mais importante na nossa coleta é que a gente tira o fruto, mas não destrói o pé, para ele continuar produzindo e preservarmos a natureza. Além disso, buscamos garantir a segurança alimentar fornecendo alimentos da nossa sociobiodiversidade riquíssimos nutricionalmente. Isso tem gerado renda no campo e é mais uma alternativa para a agricultura familiar camponesa a partir dos princípios da agroecologia”, concluiu Rita.

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