Brasil sofre maior queda no ranking de liberdade de expressão nos últimos dez anos
Relatório Global de Expressão 2022 mostra que país enfrenta sua maior crise democrática dos últimos anos.
Relatório Global de Expressão 2022 mostra que país enfrenta sua maior crise democrática dos últimos anos
Por Mauro Utida
Atrás apenas de Hong Kong e Afeganistão, o Brasil é o terceiro país do ranking global de liberdade de expressão produzido anualmente pela Artigo 19, organização não governamental que reivindica a liberdade de expressão como direito fundamental.
O Relatório Global de Expressão foi lançado nesta quinta-feira (30) e mostra que, entre 2011 e 2021, o Brasil teve um dos maiores declínios de indicadores de liberdade de expressão e ainda aponta para o cenário que pode se agravar com as proximidades das eleições.
O levantamento reúne informações de 161 países em 25 indicadores. Com a redução de 38 pontos na escala, o país está na 89ª posição, seu pior registro desde o início da realização do levantamento, em 2010. Os dados do documento mostram que, de 2015 a 2021, o país caiu 58 posições no ranking global de liberdade de expressão, chegando a 50 pontos.
“Saímos de uma nação considerada aberta para restrita em pouquíssimo tempo. Esse dado é um dos mais chocantes de todo o mundo, não só pela queda em si, mas por ter ocorrido de maneira mais acentuada sob a liderança de um presidente que foi eleito, e que deveria prezar a democracia e a liberdade de expressão, o que não é o caso, como mostrado no Relatório”, afirma Denise Dora, diretora-executiva da Artigo 19. “Na América Latina, estamos atrás apenas de Cuba, Nicarágua, Venezuela, Colômbia e El Salvador”, completa.
Para chegar aos números, a organização analisa e traz métricas quanto à liberdade de expressão em todo o mundo, refletindo sobre a garantia de direitos de jornalistas, da sociedade civil e de cada indivíduo de se expressar e se comunicar, sem medo de assédio, repercussões legais ou represálias.
Além disso, em 2021, o número de ataques a jornalistas e meios de comunicação alcançou o maior patamar desde a década de 1990 no Brasil. Foram registrados 430 ataques à liberdade de imprensa, mais que o dobro do registrado em 2018, ano em que Jair Bolsonaro foi eleito presidente do País.
Em uma destas agressões públicas do presidente contra a imprensa em 2020, ele ofendeu a jornalista Patrícia Campos Mello insinuando que a jornalista havia oferecido trocar informações por favores sexuais. Nesta quarta-feira (29), a jornalista venceu o processo movido contra o presidente por danos morais. Por 4 votos a 1, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) condenou Bolsonaro a indenizar a jornalista. O tribunal declarou que é inaceitável um presidente da República ofender, usando insinuação sexual, uma jornalista.
“Ela queria um furo. Ela queria dar o furo”, declarou Bolsonaro na época a apoiadores enquanto gargalhava.
https://twitter.com/camposmello/status/1542126764952100864
A diretora-executiva da Artigo 19 lembrou do assassinato de Bruno Araujo Pereira e Dom Phillips na Amazônia há menos de um mês e até hoje não se sabe quem foi o mandante do crime. Segundo ela, este exemplo reflete o que jornalistas, comunicadores e defensores de direitos humanos têm vivenciado frequentemente no governo Bolsonaro.
Eleições 2022
Outro ponto sensível apresentado pelo documento é a possibilidade de intensificação do cenário negativo devido à proximidade das eleições gerais que acontecem no segundo semestre. Como aponta o relatório, Bolsonaro questiona a integridade do sistema eleitoral, alegando, sem qualquer fundamento, que as duas últimas eleições foram fraudulentas e que a eleição de 2022 não aconteceria sem reforma.
O documento inclusive alerta para um possível episódio como o ataque ao Congresso Americano ocorrido em janeiro de 2021, quando apoiadores de Donald Trump invadiram o Capitólio para tentar impedir a certificação de Joe Biden nas urnas.
“As eleições presidenciais de 2022 serão um teste para a democracia brasileira. Enquanto Bolsonaro continua a fazer declarações como ‘Só Deus pode me tirar da presidência’, 2022 pode revelar a real extensão do quanto foi erodida a democracia durante o mandato de Jair Bolsonaro”, afirma o documento.
Mundo
A análise global feita pela organização também é desanimadora. Segundo o documento, 80% da população mundial (6,2 bilhões de pessoas) vivem com menos liberdade de expressão hoje que há dez anos.
“Isso é resultado de uma intensificação crescente de mudanças climáticas, conflitos armados e deslocamentos em massa, que silenciam ativistas e comunicadores, deixando populações inteiras sem acesso a informações fundamentais para suas vidas”, explica Denise. Esses contextos, segundo ela, interrompem o fluxo livre de informações, o debate construtivo, a construção da comunidade, a governança participativa, a construção do espaço cívico e a autoexpressão de pessoas de todo o mundo.
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