“Se a Assembleia é a casa do povo, o povo precisa entrar e apoiar uma política que esteja mais perto, mais pé no chão, no barro, na raiz”

Jozeli Rosa e Bella Gonçalves durante a campanha das eleições de 2022. Foto: Divulgação

Por Bella Gonçalves e Jozeli Rosa

Somos duas mulheres lésbicas que ocupamos espaços na política institucional, enquanto deputada estadual de Minas Gerais e chefe de gabinete deste mandato coletivo, popular e diverso. No mês do orgulho LGBT+, queremos ressaltar a importância de ocupar espaços que historicamente nos foram negados e tratar a potência de fazer políticas a partir da nossa diversidade.

Nós ainda somos sub-representadas e a falta de mais parlamentares orgulhosamente LGBTs gera também uma lacuna de políticas públicas. Nas eleições de 2022, segundo a Organização Não Governamental (ONG) Vote LGBT, fomos 18 pessoas LGBTQ+ eleitas, somando mais de 3,5 milhões de votos. Apesar do avanço em relação a eleições anteriores, é urgente que haja mais pessoas LGBTs na política, especialmente mais mulheres negras, ocupando o que é nosso de direito. Entendemos que essa ocupação não é apenas simbólica, mas precisa ser refletida em políticas concretas para nós e com nós.

Nosso papel é efetivar as políticas a partir da nossa existência. Ocupar lugares institucionais nos permite fazer política a partir do nosso olhar, da nossa realidade, das nossas expectativas. Acreditamos e construímos diariamente uma política coletiva, repensamos o lugar das relações de poder e compartilhamos o comando. E fazemos isso a partir do afeto, da alegria, da nossa existência e resistência.

Sofremos constantes violências políticas que vão desde interrupções frequentes durante nossas falas até alegações misóginas e lesbofóbicas. Mas seguimos firmes no propósito de disputar esses espaços.

É importante destacar que nossos passos vêm de longe e outras mulheres foram muito importantes, como Soraia Menezes, ativista lésbica negra que liderou a realização da primeira parada LGBT+ de Minas Gerais e Benilda Brito, mulher negra, lésbica, que na década de 1980 colocou seu corpo e história para ocupação do poder. Nós não inventamos a roda e há muitas mulheres que lutaram e reconfiguraram a política para que hoje pudéssemos ocupar esse espaço. Em honra às mulheres que nos antecederam na luta, queremos construir avanços que garantam possibilidades de existência mais leve para as gerações presentes e futuras.

Projetos para a população LGBT

Nosso mandato, tendo Bella como a primeira vereadora de Belo Horizonte orgulhosamente LGBT+, depois a primeira deputada estadual de Minas Gerais, pensa na efetivação das políticas encaminhadas para nosso povo, a partir de projetos de lei elaborados com movimentos, entidades e militantes da causa.

Nossa chegada na Assembleia Estadual de Minas Gerais (ALMG) alterou significativamente o espaço. Nossa presença tem sido fundamental na luta contra retrocessos e na reivindicação de avanços em políticas públicas e direitos. Em menos de seis meses de mandato, apresentamos cinco projetos de lei voltados para a população LGBT+: para instituir a Semana dos Direitos e da Visibilidade das Pessoas Não-binárias (PL 556/2023), pelo incentivo cultural do orgulho LGBT+ (PL 758/2023), pela criação da campanha permanente de enfrentamento à LGBTfobia (PL 759/2023); para criar a semana de Valorização da Vida e Prevenção ao Suicídio de pessoas LGBTs (PL 760/2023) e para instituir o Dossiê da População LGBT+ de Minas Gerais (PL 761/2023).

Tivemos uma vitória importante em nossa atuação, depois de uma luta intensa com o governador Romeu Zema e os deputados fundamentalistas da ALMG que queriam retirar a menção aos grupos LGBT+ da competência da Secretaria de Desenvolvimento Social (Sedese). Depois de muito trabalho, conseguimos manter a missão da Sedese em promover ações para a população LGBT+.

Também realizamos Audiências Públicas na Comissão de Direitos Humanos, na qual nosso mandato ocupa a vice-presidência, em abril, para discutir a necessidade de políticas voltadas para pessoas não-binárias, e no dia 17 de maio, para marcar o Dia Internacional de Combate à LGBTfobia e ocupar a Assembleia Legislativa com toda a nossa diversidade.

Agora, em junho, mês do Orgulho LGBT+ também faremos diversas ações e queremos transformar esse mês em um intenso processo de mapeamento e fortalecimento das redes e movimentos LGBT+ no estado de MG.

Além disso, trabalhamos em diversos outros projetos de lei, audiências públicas, visitas técnicas e contribuímos em pautas que não tratam exclusivamente da população LGBT+, mas a incluem. Sabemos que muitas pessoas LGBT+ são expulsas de casa pelo preconceito, então a pauta pelo direito à moradia digna também as contempla. Outro exemplo é a luta pelos direitos de trabalhadores informais que engloba parte da população LGBT+, que muitas vezes tem dificuldade de acessar o mercado formal de trabalho.

Nós ocupamos espaços institucionais para compartilhar o poder. E compartilhamos a partir do simbólico, de pegar a caneta e escrever em conjunto, de fazer projetos de leis que passam por várias mãos, de propor manifestações que as pessoas se sintam pertencentes. Queremos que cada vez mais pessoas LGBT+ entrem pela primeira vez na ALMG, seja para tomar um café no nosso gabinete, seja para participar de uma audiência pública.

Se a Assembleia é a casa do povo, o povo precisa entrar e apoiar uma política que esteja mais perto, mais pé no chão, no barro, na raiz.

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