Foto: Reprodução/Série DNA do Crime

Na letra da canção “Periferia”, de WD, o artista traz os seguintes versos: “eu quebrei o sistema ao decidir cantar. Eu lutei pra não ser uma estatística”. Assim como WD, inúmeros artistas da periferia vêm buscando espaço na indústria fonográfica para construir novos caminhos possíveis para além das mazelas que assolam os territórios de comunidades no Brasil, especialmente nas grandes metrópoles.

Nesse mesmo caminho, visando enaltecer os talentos da periferia e buscar solidificar referências para as novas gerações, nasceu a primeira edição do Festival Beatloko & Filhos do Guetto, promovido pelo Instituto Filhos do Guetto – entidade responsável por diversos projetos e ações diretas na comunidade, em parceria com o Bloco Beatloko, projeto do produtor DJ Cia, conhecido por ser o primeiro bloco de rap, hip-hop e black music criado para o carnaval paulistano e que reúne mais de 150 mil pessoas a cada edição. A primeira edição do festival, que aconteceu em dezembro de 2023, contou com grandes nomes da música popular brasileira, como Mano Brown, Seu Jorge, Ice Blue, Dexter, MC Hariel, Oruam, entre outros. 

E para entender a importância do festival para as pessoas que moram nas regiões periféricas, na coluna de hoje DJ Cia fala sobre a importância de se levar os festivais musicais para quem está à margem e como essas iniciativas são de suma importância para democratizar o acesso à cultura.

Com a palavra Jeferson dos Santos Vieira, o DJ Cia: 

 

André Menezes Como surgiu o projeto Beatloko?

DJ Cia O Beatloko já existe há um bom tempo, digamos que ali pelos anos de 2005 , ele começa como tag de músicas. Eu queria deixar registrado nas músicas de artistas que produzi que eu era o produtor, então o beat começa e o artista gritava BEATLOKO no som, então dei sequência ampliando para o selo de música onde hoje trabalho alguns artistas que me procuram e artistas que encontro na internet e os chamo pra produzir quando percebo que existe talento, mas às vezes não tem condições de produzir com um estúdio e equipamentos profissionais, então acabo dando um suporte pros novos talentos entregando produção, estúdio e uma direção musical.

Gosto de lançar artistas novos e talentos. Essa escola vem lá da época do RZO , aconteceu com Sabotage, Negra Li, DBS, Função RHK, Marron, Negro Útil, e muitos outros do hip hop. Depois disso criamos algumas colabs. Corri pra moda, onde fiz parceria com a marca Starter, que é uma marca internacional. Lançamos bonés, os famosos caps aba reta, foi um verdadeiro sucesso. Depois o Beatloko lançou a coleção de tênis em parceria com uma marca muito conhecida no mundo do Skate, a Qix. Fizemos os tênis produzidos e desenhados pela gente. Não era customizado, foi realmente desenhado desde a sola ao cordão. O Beatloko Festival já teve uma Edição em Porto Alegre, na Famosa Casa Pepsi on Stage, levamos diversos artistas. Pra firmar mais ainda o crescimento e a ideia de que poderíamos fazer coisas novas, lançamos o maior Bloco de Rap no Carnaval e já estamos na 6ª edição. Temos uma bela caminhada, podemos dizer, de lindas conexões com marcas e artistas.

 

André Menezes Como o rap, o funk, o hip hop, o samba e essa efervescência cultural podem ajudar jovens a acharem caminhos menos sombrios dentro das comunidades?

DJ Cia Esses estilos ou gêneros que você diz falam a língua da rua, a língua da comunidade, sabemos com quem estamos falando e os sonhos que temos porque somos do mesmo lugar. Lembra que antigamente as pessoas queriam um McDonald’s na quebrada? Depois começaram a ter agências bancárias, queríamos ter a rua asfaltada, hospital grande, faculdade, campo de futebol gramado, essas coisas que, por menor que fossem, eram distantes da gente, e isso acontece também com a música. Hoje, temos muitos shows acontecendo com ingressos caríssimos, distanciando a possibilidade de uma pessoa que ganha um salário mínimo poder curtir o show de um artista que ele gosta, e para piorar criam divisões nos eventos onde as pessoas que pagam menos ficam muitos metros de distância do artista, é horrível isso.

Levar esses shows pra comunidade onde as pessoas se conhecem e sonham com isso gera, além de autoestima, uma bandeira de que não estão lá esquecidos, dá a oportunidade de uma criança se ver no palco um dia, gera emprego, movimenta tudo. Quantas pessoas de outros lugares foram para lá curtir, chegaram, foram bem recebidos e curtiram muito um lugar. Lá no Rio, no Vidigal, virou ponto turístico porque era na favela, então toda comunidade tem sua beleza , é só saber enxergar. 

 

André Menezes Você acha que a pauta racial avançou no Brasil? 

DJ Cia A pauta racial avançou, mas às vezes ela se perde quando a fala é forçada, quando é usada no momento errado, ou quando ela não favorece realmente o que se é preciso para o momento de reconstrução racial do Brasil. Ainda temos muito que fazer para que as coisas sejam muito mais levadas a sério, principalmente em termos de leis e ações tomadas muito rápido. O racista, ele tem que pagar e ter medo, já que não tem respeito, ele tem que pagar caro e ser exposto como racista, para que ele tenha vergonha de sair na rua com a lata estampada: sou racista. Ele vai sentir os olhares que muitos já sentiram e tentaram até se esconder 

 

André Menezes Como o festival contribuiu para a luta contra o preconceito? 

DJ Cia É uma primeira ação, né? Não dá para se falar no que foi contribuído, o que dá para se falar é que podemos fazer muito e muito mais para que as pessoas entendam  –  no caso as pessoas que eu me refiro são as que não conhecem e nunca viveram em uma comunidade –, que lá as pessoas são muito mais próximas umas das outras do que qualquer centro ou condomínio fechado. As pessoas se reconhecem, a mãe de uma criança nunca deixa uma outra criança sozinha na rua ou na praça. Faz isso em um lugar de boy pra ver, a criança fica ali como se não fosse filho de ninguém. A contribuição e a alegria das pessoas que nunca imaginaram poder ver o que viram e se divertiram. Olhem os comentários das pessoas na nossa página e vocês vão sentir o que estou falando.

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