Adriana de Faria é roteirista e diretora de Belém do Pará. Formada em Comunicação Social pelo Centro Universitário do Estado do Pará (2017). Cursou também Iniciação Documental na Escuela Internacional de Cine y TV em Cuba (2019), onde atuou como diretora no seu primeiro curta documental “Ari y yo”.

Ao longo de sua trajetória, assinou roteiros em séries documentais desenvolvidas em Núcleos Criativos como é o caso de Inovadores (Marahu Filmes), Presentes pro Futuro (Visionária Filmes) e Sabores da Floresta (GNT/Futura), essa última na qual também é criadora e tem segunda temporada prevista para este ano.

Seu trabalho mais recente, o curta-metragem de ficção Cabana ganhou grande projeção, tendo sido indicado e premiado em diversos eventos, tais como o Festival do Rio 2023, no qual foi premiado como Melhor Curta. Atualmente dirige a série “Rios de Encantarias” da cantora Lia Sophia com roteiros de Lúcia Tupiassú, em produção pela Lei Paulo Gustavo.

Como você sente que o seu local de nascimento e formação influenciou no processo de criação de suas obras e na recepção delas pelo público?

Na adolescência eu pensava em mudar daqui, ir morar em São Paulo. Com o tempo, principalmente com minha entrada no cinema, eu fui percebendo a riqueza que tem de histórias e pessoas aqui.

Eu insisto em ficar, não é nem “eu resisto”, é “eu insisto”. Não temos tantas oportunidades aqui como em outras regiões do país, isso está começando agora com algumas políticas públicas. Mas aqui temos pessoas, temos histórias que precisam ser contadas. Sinto que nos últimos anos isso se fez refletir em meu trabalho porque comecei a perceber que as minhas histórias se passavam aqui nesse território. Quando fui para Cuba ter uma formação na área, senti que meu modo amazônico de insistência prevaleceu, porque a proposta era fazer o filme sozinha com poucos recursos e mesmo sendo o primeiro, consegui.

Essa experiência foi em 2019 e como eu te falei, a minha formação é publicidade então tudo que eu aprendi de cinema foi lendo livros e o que aprendi com outras pessoas da área, como o diretor paraense Fernando Segtowick. Fiz um estágio que depois me levou a ser roteirista na produtora Marahu Filmes. Só que eu vinha há alguns anos escrevendo histórias de outras pessoas, que são daqui também, mas eu queria me descobrir enquanto autora, eu queria ver se eu sabia fazer. Pesquisei vários cursos, queria ter uma experiência de viagem, uma imersão.

Aproveitando a menção a esse modo de produzir amazônico mesmo estando em Cuba, de que forma essa formação internacional te moldou enquanto diretora?

Pesquisei e encontrei a escola de Cuba, uma das mais prestigiadas e importantes no mundo. Decidi por um curso de férias. Eu fui sem saber falar espanhol direito, então o filme resultado desse curso também é um pouco sobre essa experiência, é sobre uma garotinha que me ensina a falar espanhol. Fui com esse objetivo de entender que tipo de narrativas eu gostaria de realizar e de ter uma instrução maior sobre o cinema também.

Falo sobre esse modo amazônico da insistência, porque aqui a gente não tem políticas públicas efetivas para arte no geral, no audiovisual menos ainda. Principalmente quando a gente compara com os estados como Ceará, Pernambuco, São Paulo. Ainda assim, a gente quer fazer filme e a gente já fez com pouco, já desenvolveu sem ter dinheiro, sinto que pra fazer cinema na Amazônia precisa acreditar até o final, até estar passando o filme lá, chegando ao público. A gente continua fazendo independente do que aconteça, mas é óbvio que se tivermos políticas públicas, se tivermos espaço de formação, se a gente tiver participação nos eventos e ajuda para participar do cenário nacional, com certeza isso vai cada vez mais tornar o nosso cinema mais robusto e prolífico.

Como você sente que o seu local de nascimento/formação influenciou no processo de criação de suas obras e na visibilidade/recepção delas pelo público?

Eu acho que ainda persiste uma visão da Amazônia como um cenário para quem vem filmar aqui. Porque quando as grandes produtoras vêm filmar aqui, ainda vêm em um modo colonizador, elas trazem seus profissionais para serem cabeças de equipe e empregam aqui somente a base e pagam mal. E essas pessoas vão embora depois e a gente continua sem incentivo aqui, sem conseguir desenvolver nossos profissionais. Eu sinto que no modo de produção, em relação às pessoas que não são da Amazônia quando vem para cá, a maioria delas ainda enxerga a gente como apenas um cenário, apenas um lugar para extrair as histórias que eles querem contar do jeito deles.

Agora falando do interno que vai para fora, sinto que a gente teve uma melhora a partir de algumas políticas públicas da Ancine, principalmente com a existência do CONNE que é uma organização do Norte, Nordeste e Centro-oeste porque isso garantiu 30% de cota para os projetos acontecessem aqui. Isso por exemplo foi o que iniciou minha carreira, eu comecei desenvolvendo um projeto dentro de um edital. Algumas dessas políticas fazem a gente conseguir chegar a ganhar um edital junto com profissionais do sudeste.

Ao mesmo tempo em que a gente está muito distante geograficamente, a gente dá um jeito de se infiltrar nas coisas, nas decisões políticas, nos eventos e isso vai nos fortalecendo de alguma maneira porque eu sinto que agora vai ter um “boom” de produções daqui, principalmente pela Lei Paulo Gustavo e Aldir Blanc também.

E quanto às temáticas amazônicas, eu acho eu acho bem complexo a gente falar “a Amazônia” porque são tantas. E é por isso que eu te falo que tem uma riqueza de narrativas. Porque, por exemplo, eu tô aqui em Belém, se eu for para o oeste do Pará já é outra cultura completamente diferente, se tu vais na região do salgado paraense é diferente, então um único estado tem uma pluralidade narrativas de tradições e manifestações culturais que podem ser palco de histórias cinematográficas.

O interesse que tá existindo na Amazônia ainda é um interesse que fica na superfície, não sei se as pessoas de fora estão realmente interessadas em se aprofundar sobre isso. Eu sinto que as pessoas daqui sim estão estudando, combatendo mudanças climáticas, estão contando nossas histórias, estão fazendo arte de diversas maneiras. Mas fico me perguntando ainda, qual é o interesse? Por que é que a gente está tão na moda? E eu não sei como é que isso vai se refletir lá na frente porque aqui sempre foi esse terreno de exploração, as pessoas vem aqui exploram, vão embora e depois não deixam nada.

Nos conte um pouco sobre este momento de grande visibilidade na carreira, com muitas premiações, etc. Como “A Cabana” simboliza esse marco para você?

Eu demorei para entender a importância do filme, porque quando eu estava fazendo eu sabia que ele seria importante já que não tínhamos um filme contemporâneo sobre a Cabanagem e ela foi das maiores revoltas populares do Brasil. Então alguma importância o filme tinha, sabia disso, mas não achei que ele fosse alcançar tantos lugares assim. Jamais imaginei que ele venceria o Festival do Rio, que ele estaria entre os 10 melhores curtas da Associação Brasileira de Críticos. Não pensava, eu achava que ia passar pelos festivais como qualquer outro filme, mas eu acho que ele talvez reflete um pouco essa essa vontade de ser escutado, de falar “olha, existimos, estamos aqui, continuamos existindo independente de vocês” e eu acho que a premiação do Rio ela foi bem política nesse sentido, porque era o único filme do Pará lá, da competição inteira, se eu não me engano tinha mais três do Norte, mas que alguns eram filmados no norte, mas não por pessoas do norte, então ao mesmo tempo que me sinto feliz fico impressionada que o filme tenho tido uma carreira tão relevante. E me sinto também um pouco mais responsável pelas próximas. Estou fazendo meu próximo filme e ele também se passa em um cenário daqui, mas é um filme mais complexo que o Cabana, tanto no orçamento quanto na produção, mas no fim tudo se resume à história que quero contar.

Eu não sou a única pessoa a contar histórias daqui, existem várias pessoas fazendo isso, sou apenas mais uma delas. Eu obviamente sei que não tenho poder de transformar tudo com os meus filmes, mas agora me sinto um pouco mais apropriada das minhas próprias histórias e mais responsável pelo que vier daqui para frente em razão do alcance que minha primeira ficção teve.

Enquanto mulher, acho que tem muita uma impostora em mim que questiona sempre se vou conseguir, mas como da primeira vez deu certo, agora ela (a impostora) ficou um pouco sem argumentos (rs) e vou continuar fazendo filmes porque foi isso que escolhi para minha vida.

Quais seus planos de carreira para esse futuro próximo?

Agora estou fazendo meu próximo filme chamado “Boiuna”, um curta sobre a relação entre uma mãe e uma filha, que se passa em um contexto ribeirinho. Eu estou também dirigindo uma série documental que se chama “Rios de Encantarias”, um projeto da cantora Lia Sophia, com foco nas pessoas daqui e em como vivem as encantarias nas suas vidas, no seu dia a dia.

Também teremos a segunda temporada de “Sabores da Floresta” que deve estrear ainda esse ano e em que sou roteirista desde a primeira temporada. Esse foi um dos primeiros projetos que escrevi e criei junto com o Fernando Segtowick e o Thiago Pelaes, dois dos quatro sócios da Marahu Filmes. E agora chega à segunda temporada pelo Canal Futura.

Além desses, tenho outras ideias de filmes que desenvolvo. Meus planos para o futuro são continuar fazendo filmes aqui, e tendo parcerias fora, continuar com parcerias com outras pessoas da Amazônia também, acho isso muito legal. Ano passado fui a Manaus pelo festival Olhar do Norte e isso me fez sentir parte de uma comunidade de pessoas que estão realizando aqui. Nos festivais no passado, senti falta de encontrar outras pessoas da Amazônia, torço muito para que a gente consiga chegar juntos nos lugares, principalmente agora com as produções geradas a partir da Lei Paulo Gustavo.

Alguma outra mensagem que você acha fundamental estar em uma matéria sobre você?

Eu sou apenas mais uma pessoa que está produzindo no Pará e gostaria muito que várias outras pessoas tivessem o espaço e a atenção que eu recebi nesse último ano. Porque aqui a gente tem muitas pessoas talentosas, dedicadas, profissionais excelentes e muitos não são reconhecidos ou lhes falta oportunidade para chegar lá.

E aí eu sinto que nesse último ano as portas se abriram para mim especificamente, mas eu não sei exatamente porque. Então eu queria que os caminhos estivessem abertos para todos, todo mundo, não só para mim. Não quero ser só eu. Gostaria que eles (esses caminhos) continuassem assim pra todo mundo, que não fosse algo passageiro e pontual que acontece apenas com um ou dois de nós. Gostaria que nosso cinema não fosse a exceção e sim que a gente sempre tivesse uma comunidade amazônica presente nesses espaços.