Quando o medo vira estatística: o Brasil chora por mais mulheres em 2025
Feminicídios crescem em 2025, com mulheres negras mais afetadas. Histórias brutais revelam um país que falha em protegê-las.
Por Tainá de Paula*
O Brasil vive um pesadelo — e o pior é perceber que, a cada novo dado, a dor e o horror não diminuem; ao contrário, se aprofundam. Em 2025, o fantasma do feminicídio assombra ainda mais: relatos brutais, famílias despedaçadas e uma nação que parece incapaz de proteger aquelas que sustentam sua própria existência.
Os números não mentem e as histórias nos arrancam do silêncio forçado: o feminicídio, crime tão cruel quanto covarde, continua a ceifar vidas apenas pelo fato de elas serem mulheres. Quando li sobre o caso de Tainara Souza Santos, de 31 anos — atropelada e arrastada por um quilômetro pelo ex-namorado que não aceitava o fim da relação — senti a ferida aberta de toda mulher que já teme por sua segurança. Ela, que já perdeu tanto: teve as duas pernas amputadas, viu sua vida ser transformada em dor e provação simplesmente porque ousou dizer “chega”.
Houve também o horror da casa incendiada, o lar transformado em armadilha, onde Isabele Gomes de Macedo e seus quatro filhos perderam a vida pelas mãos de quem dizia amá-la. E ainda Evelin de Souza Saraiva, alvejada com cinco tiros à queima-roupa, que hoje luta entre a vida e a morte em um hospital. Todas vítimas de um machismo que mata, destrói, humilha. Esses não são apenas “casos”: são a face humana e cruel de uma estatística que não para de crescer.
Os dados oficiais do Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), divulgados em 2025, são aterradores: já são mais de mil feminicídios registrados, superando 2024 mesmo antes de o ano terminar. De janeiro a setembro, mais de 2,7 mil mulheres sobreviveram a tentativas de feminicídio e 1.075 perderam a vida. As tentativas cresceram cerca de 26% em relação ao ano passado. Se antes o feminicídio era um grito de socorro, hoje ele é um clamor.
Talvez o dado mais contundente seja este: 68% das vítimas são mulheres negras. A violência de gênero, no Brasil, se entrelaça com duas injustiças estruturais — o racismo e o machismo. Homens brancos, historicamente beneficiados por privilégios, apresentam menor vulnerabilidade. Já mulheres pretas e pardas carregam em seus corpos o peso da discriminação e do desprezo por suas vidas. Enquanto os feminicídios entre mulheres brancas apresentam leve declínio, entre mulheres negras a curva segue ascendente. A dor, aqui, tem cor.
Diante desses números e histórias, surge uma pergunta dolorosa: quantas lágrimas, quantas amputações, quantos corpos em chamas, quantas vidas em coma serão necessárias para que este país acorde? É revoltante pensar que, em pleno século XXI, em uma democracia que se orgulha de defender direitos humanos, mulheres ainda morram por existirem, por quererem amar, sair de casa, romper relações abusivas, buscar liberdade.
Não podemos normalizar. Não podemos reduzir vidas a estatísticas frias. Por trás de cada número há um grito por socorro, há famílias que nunca mais serão as mesmas, há futuros arrancados. A sociedade não pode — e não deve — se calar. O silêncio é cumplicidade. Precisamos denunciar, educar, apoiar, acolher, proteger. Políticas públicas, redes de apoio e, sobretudo, empatia. É urgente que cada cidadão compreenda: a luta não é “delas”; é de todos nós.
Precisamos ser as vozes que ecoam nas ruas, nos noticiários, nas redes, exigindo justiça, igualdade e respeito. Que a memória de Tainara, Isabele, Evelin e de todas as mulheres vítimas de feminicídio não seja apenas dor arquivada. Que se transforme em força. Em mudança. Afinal, quando a dor vira notícia, é porque o sistema falhou — e a urgência de repará-lo já não suporta mais esperar.